Spinoza gostava de
usar a expressão latina, "sub specieaeternitatis", que significa
"do ponto de vista da eternidade". Dizia que os fatos perturbadores
do cotidiano ficam menos complicados se forem vistos sob a perspectiva da
eternidade.
Alguns anos atrás li "Por que as zebras não
têm úlcera?" e virei fã de Sapolsky. No começo fiquei perdida em meio a
tantos processos fisiológicos desencadeados pelo estresse. Difícil aceitar que tudo aquilo acontece
dentro desse aglomerado de células que somos nós.
Hoje, depois de descobrir que eu tenho uma
quase-úlcera, consigo perceber a maior diferença entre mim e uma zebra: a zebra
sabe como existir, como viver sem angústia (isto é, sem medo) no bendito
presente, sem o peso do passado e a preocupação com os horrores do futuro.
Mas nós, humanos infelizes, somos tão perseguidos
pelo passado e pelo futuro que só podemos passar rapidamente pelo presente.
Sentimos tanta saudade da infância, porque foi a
única época despreocupada, ou seja, sem preocupação antes de termos lembranças
tristes e graves dos lixos que infestam nossa vida dia após dia.
O lixo acumula. Um mar de sacos cheios de sujeira.
O presente fica sufocado - passamos a semana
esperando a sexta-feira, o mês esperando o próximo feriado e o ano esperando
por um outro que virá cheio de novas promessas ilusórias.
E, como se já não bastasse os nossos próprios sacos
de lixo, teimamos em ensacar o lixo daqueles com quem nos importamos:
precisamos nos juntar em volta do fogo para nos aquecermos.
Até o dia em que nos chamuscamos por ficarmos muito
perto do fogo.
Só não sai queimado aquele que aquece a si mesmo;
aquele que retira seu lixo periodicamente.
Do ponto de vista da eternidade, tudo vai
desmoronar - depois de um dia inteiro, nada é tão complicado que não tenha
solução - e, no final, nenhum daqueles que jogou lixo no seu quintal vai te
ajudar a limpar.
É só você ajudando a si mesmo nesse presente que,
num piscar de olhos, já deixou de existir.
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