terça-feira, 29 de julho de 2014

Amor de vó


Acordar em Catanduva numa segunda-feira torna possível um dos momentos mais gostosos da vida:
Tomar café da manhã com a vó. 
Sair da cama atraída pelo cheiro de café semipronto, feito só para demonstrar que sua presença alí é reconhecida. Sentar à mesa e tagarelar, naqueles ouvidos não tão mais sensíveis, sem a preocupação de estar sendo chata. Ensinar coisas simples, mas tão complexas para aquela cabeça tão abarrotada de memórias que, muitas vezes, entra em confusão e diz todos os nomes da família até acertar o meu.
Tomar café com a vó adoça o paladar e o coração.

Como é que pode caber tanto carinho e amor numa xícara de 240 ml? 

As pessoas tendem a criar barreiras sentimentais, porque, desde cedo, foram ensinadas que, ao demonstrar o que realmente sentem, estão assinando um atestado de sofrimento. 
Colocar a palavra "sofrimento" ou "dor" no discurso faz o medo despertar e, despertando-o, a lição é rapidamente assimilada. Somos treinados a erguer muros, uns mais altos, outros nem tanto, mas todos com poucas frestas entre os tijolos. 
Muros são sinônimos de segurança. No interior dessa capa de cimento, ninguém pode entrar e fazer estrago, a menos que você abra a porta. 
Algumas porta emperraram, outras nunca existiram. 

Infelizmente, estar seguro não significa estar satisfeito e feliz. 
Nenhum castelo por detrás de grandes muralhas funciona sozinho. 

Amor de vó é assim: 
Transpassa as barreiras que insistimos em erguer. 
Remove tijolo por tijolo, calmamente, até deixar entrar luz. E, quando adentra, nos ajuda a arrumar a bagunça lá de dentro sem perguntar como é que conseguimos fazer tanto estrago em tão pouco tempo. 

Vó não questiona, não faz interrogatório. 
Vó entende e coloca os vasos de volta aos seus lugares. 
E, mesmo aqueles quebrados, são tesouros para elas, que insistem em unir toda a porcelana, tornando-os cheios de vida outra vez. 

Amor de vó, assim como seus olhos cansados, não enxergam essas barreiras de medo de insegurança que insistimos em deixar de pé.

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