Acordar em Catanduva numa segunda-feira torna possível um dos momentos mais gostosos da vida:
Tomar café da manhã com a vó.
Sair da cama atraída pelo cheiro de café semipronto, feito só para demonstrar que sua presença alí é reconhecida. Sentar à mesa e tagarelar, naqueles ouvidos não tão mais sensíveis, sem a preocupação de estar sendo chata. Ensinar coisas simples, mas tão complexas para aquela cabeça tão abarrotada de memórias que, muitas vezes, entra em confusão e diz todos os nomes da família até acertar o meu.
Tomar café com a vó adoça o paladar e o coração.
Como é que pode caber tanto carinho e amor numa xícara de 240 ml?
As pessoas tendem a criar barreiras sentimentais, porque, desde cedo, foram ensinadas que, ao demonstrar o que realmente sentem, estão assinando um atestado de sofrimento.
Colocar a palavra "sofrimento" ou "dor" no discurso faz o medo despertar e, despertando-o, a lição é rapidamente assimilada. Somos treinados a erguer muros, uns mais altos, outros nem tanto, mas todos com poucas frestas entre os tijolos.
Muros são sinônimos de segurança. No interior dessa capa de cimento, ninguém pode entrar e fazer estrago, a menos que você abra a porta.
Algumas porta emperraram, outras nunca existiram.
Infelizmente, estar seguro não significa estar satisfeito e feliz.
Nenhum castelo por detrás de grandes muralhas funciona sozinho.
Amor de vó é assim:
Transpassa as barreiras que insistimos em erguer.
Remove tijolo por tijolo, calmamente, até deixar entrar luz. E, quando adentra, nos ajuda a arrumar a bagunça lá de dentro sem perguntar como é que conseguimos fazer tanto estrago em tão pouco tempo.
Vó não questiona, não faz interrogatório.
Vó entende e coloca os vasos de volta aos seus lugares.
E, mesmo aqueles quebrados, são tesouros para elas, que insistem em unir toda a porcelana, tornando-os cheios de vida outra vez.
Amor de vó, assim como seus olhos cansados, não enxergam essas barreiras de medo de insegurança que insistimos em deixar de pé.
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