Eu tenho
os quatro dentes do siso. Todos já apontaram em seus respectivos lugares na
gengiva. Estão intactos. Um deles, o do lado esquerdo, inflamou. Nos primeiros
momentos, a dor, insuportável que é, fez nascer a ideia de extração. Eu teria
que, finalmente, enfrentar o dentista e tirar dali o incômodo.
Sorrindo
e caminhando em direção à dor, o medo a tirou para dançar. Evitei o telefone e
não agendei um horário. Deixei o dente pulsar na boca. Senti a intensidade de
sua presença a cada mastigada. A dor, de tanto rodar de mãos dadas com o medo,
demonstrou cansaço. Saiu de cena. Retirou-se, cicatrizando a gengiva maltratada
pelo dente pontiagudo. O medo a deixou tonta e criou em mim a ilusão de que
aquela sensação dolorida nunca existira. Fiz as pazes com o siso e decidi que o
deixaria enraizado, vizinho dos molares do lado esquerdo.
Hoje, meses após a
reconciliação, a dor acordou. Senti latejar no começo da manhã. Pensei que
fosse coisa passageira. Ignorei. Perto do almoço, no entanto, a gengiva inchou.
Não comi. Na angústia, pensei em pegar o telefone e tomar uma atitude. Hesitei.
Esperei, mais uma vez, o medo dar as caras, impedindo-me de enfrentar, de uma vez
por todas, a extração.
Enquanto
convivo com a dor, que, de tempos em tempos, vem e vai, penso: quantos sisos
deixamos nos incomodar e tornar os dias doloridos diante da ilusória sensação
de alívio causada pelo medo?
O medo,
esse senhor de ar autoritário, é mestre na arte da enganação. Camufla os
desconfortos, fazendo-nos acreditar que o hiato entre uma inflamação e outra é
mais satisfatório do que a paz permanente. Amarra-nos em nossas inseguranças e
estorva, alimentando, no peito e na mente, a ideia de que não há nada de errado
em permitir que a dor more em nós.
Chega o
dia em que é preciso bater de frente. Fazer a dança de medo e de dor acontecer
para fora dos portões. Do lado de fora, a frustração não é mais trilha sonora.
Eles que rodopiem à vontade, enquanto desocupo espaços para a coragem e ligo
para o dentista.
A
extração é a despedida da dor. O último suspiro. Um buraco na gengiva feito
para o alívio morar.
É preciso
expulsar o medo para se desfazer da dor.