terça-feira, 29 de julho de 2014

Os massacres miúdos do dia a dia


Filas. Elas estão por todos os lados.
Fila pra beber água, fila para usar o banheiro, fila para usar o caixa do banco, fila do supermercado e até fila para usar o elevador. 

Permanecer numa fila e esperar a vez de ser chamado ou atendido é uma das situações mais entediantes e, para os que vivem na correria e encaram a pausa como pecado mortal, angustiantes.
Você passa um tempo considerável logo atrás de uma pessoa desconhecida e, na maioria das vezes, fecha-se numa bolha, coloca o fone de ouvido, senha de acesso para seu universo particular, e se recusa a prestar atenção ao redor. Até que um dia resolve mudar.

Tira os fones de ouvido, estoura a bolha e abre a janela que o separa do vizinho, seja aquele que será atendido primeiro, ou o que ainda terá que esperar alguns minutos depois de você. 
Ao abrir a janela, você pode enxergar uma paisagem agradável, cheia de assuntos e histórias de vida interessantes; ou então, deparar-se com um ambiente de concreto, cheio de falhas que exalam cheiro de esgoto. 

O que me assusta, mais do que as grandes tragédias contadas no noticiário, são essas pequenas maldades do cotidiano. 
Os risinhos e dedos que apontam. 
Hoje, ao abrir a janela, não enxerguei flores, enxerguei cimento. O desconhecido, aquele logo atrás de mim, o qual eu teimava em afastar com música alta, mostrou que é ingenuidade pensar que todos nós temos algo de interessante a oferecer.

Quem pratica os massacres miúdos do dia a dia é gente que se acha do bem. O desconhecido certamente não imagina o quão pequeno é apontar e rir de outra pessoa que apresenta uma deficiência ou debilitação e, assim, não segue os padrões de todos os outros componentes da fila. É desses desconhecidos que eu tenho mais medo. 
Tenho medo porque acho que a vida doeria um pouco menos se cada um se esforçasse para vestir a pele do outro antes de rir, apontar e cutucar o vizinho para não perder chance de desprezar um outro, em geral mais vulnerável. Antes de julgar e de condenar. Antes de se achar melhor, mais esperto e mais inteligente. 
Vestir a pele do outro no minuto anterior ao ataque final, direto na jugular. 

Risinhos e dedos que apontam não são, nem de longe, componentes de uma paisagem agradável. E foi por isso que hoje, durante o tempo que passei naquela fila infernal, decidi fechar a janela novamente. 
Eu já respiro poluição demais pelas frestas.

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