terça-feira, 29 de julho de 2014

Em tempos de greve e de frio, tudo parece vazio


Eram quase sete de sexta-feira ao som de Jefferson Airplane, Comin' Back To Me. 
Neblina circundando pontos de luz, melodia triste e a sensação de que me falta algo. Coração desocupado e um buraco no estômago - decido entrar num drive de um fastfood qualquer para preencher um dos hiatos que me compõem. 
Faço o pedido, refaço, é melhor pedir o dobro; comer por dois, mesmo estando só. Deixo o drive e, apesar do pedido em dobro, é só metade que segue em frente - ainda falta algo. 
Percorro o caminho de casa praguejando a solidão e almadiçoando os semáforos vermelhos que teimam em tirar meus pés do acelerador - frear assusta; enquanto a rapidez esconde tantos segredos nos borrões que formam em nossas janelas, frear os expõe. Analisar segredos nunca foi meu forte. 
Num desses semáforos, entre tantos outros, milhões de carros poderiam ter freado ao meu lado, mas aquele que marcou o asfalto era branco. Branco por fora e cinza por dentro. Seus passageiros: um homem e uma mulher, ambos cinzas. 
Dois que não eram soma, mas subtração. 
Vidros abertos, corações trancados. 
Eu não consegui distinguir a melodia romântica que vinha dali: os gritos abafaram a voz de uma banda qualquer. Nos poucos segundos que estivemos lado a lado, nenhum sorriso ultrapassou a faixa pontilhada que nos separava na avenida - estavam descontentes e teimavam em estar ali.
Olhei para o meu banco vazio e meu carro, apesar da lataria preta, iluminou-se por dentro: eu estava exatamente da maneira como gostaria e deveria estar. 
Não me faltava nada. Eu estava em meu lugar, sem teimar em driblar a solidão. 
O semáforo esverdeou.
Eles se foram, descontentes. Não sabiam, ou fingiam não saber, que nem sempre ter os dois bancos ocupados é sinônimo de estar e sentir-se inteiro. 
Dois também pode ser metade. 
O semáforo esverdeou e eu sorri por dentro. Olhei o banco ao lado e ainda restavam muitas coxinhas do Ragazzo, minhas preferidas. Planejei minha noite de sexta - minha lista de filmes para assistir antes de morrer ia sair da gaveta de novo.

Troquei a melodia triste. 
Eram quase oito de sexta-feira ao som de The Rolling Stones, She's A Rainbow, e minha companhia era aquela que me fazia sentir completa, por inteiro: eu mesma. 

Em tempos de greve e de frio, é você que preenche o vazio.

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