terça-feira, 29 de julho de 2014

A extinção do olho no olho

Maldito seja o dia em que resolver problemas pessoais ou profissionais por meio de redes socais virou coisa trivial. 
Problema pede olho no olho. Tom de voz.

O amigo diz que quer contar uma novidade, a notificação grita bem na hora em que o outro precisa sair apressado. A resposta? A resposta não pode esperar. Com pressa, o outro se esquece de um ponto de exclamação, ou de mandar um sorriso ao final da frase. 
Fim da amizade. Como é possível um amigo de anos enviar uma resposta sem nenhum entusiasmo diante de tanta euforia do outro? 
A namorada decide ter uma crise romântica, a notificação grita e o namorado, certo de que seus sentimentos são certos e sabidos pela companheira, esquece-se do vocativo carinhoso, ou de colocar um coração ao final de um "eu também" morno e perdido no meio de um diálogo desconexo. 
Fim do amor. Como é possível receber uma resposta sem nenhum carinho diante da demonstração de tanta paixão? 
O colega de trabalho resolve pedir um favor, a notificação grita e o outro simplesmente desenvolveu um jeito sério de escrever, respondendo de forma objetiva. 
Fim da harmonia. Como é possível ser tão rude com uma pessoa que divide tarefas e projetos? 

A escrita exige de cuidado. O autor preocupa-se com o leitor a cada enunciado, cada parágrafo é construído para afagar quem o lê. Quando a escrita é cuidadosa, ela abraça, acalma. 
Ao abrirmos uma janela com a foto do outro, nunca o enxergamos como um leitor que desenvolverá sensações e sentimentos a partir das palavras que saltarem a seus olhos. Sem cuidado, a escrita vira folha de papel, afia-se e corta quando menos se espera. 

As redes sociais, ao contrário do que dizem, não aproximam amigos, namorados e colegas de trabalho. As redes sociais são traiçoeiras.
Um ponto de exclamação a menos e você corre o risco de encarar uma crise de relacionamento. 
Uma pena que não seja possível transmitir o tom de voz, o olhar e a expressão por meio de uma mensagem enviada pela internet ou pelo celular. Nunca saberemos, de fato, como o outro lado reage às nossas mensagens.

Maldito seja o dia em que escrever de forma correta e objetiva passou a ser sinônimo de grosseria. 
Maldito seja o dia em que sinais de pontuação e figuras ilustrativas postas ao final das frases passaram a valer mais que o real sentimento existente entre duas pessoas próximas que, ao ignorar a presença e deixar o telefone fora do gancho, caíram na ilusão de que uma mensagem cheia de abreviações poderia, um dia, suprir o calor de um abraço apertado.



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