terça-feira, 23 de agosto de 2016

Doença só

Quando eu era pequena, dia de febre era sagrado. Permissão para não ir à escola. Ficar debaixo das cobertas, assistindo desenho animado no sofá em frente à televisão. Eu até gostava de ficar doente. Dor de garganta era quebra passageira da rotina. Oportunidade de receber carinho diluído na canja da mãe. Era, inclusive, proibido sair do repouso. O melhor remédio era o colo combinado com o descanso. Sopa, chá e abraço quente. Tiro e queda! No outro dia, lá estava eu de mochila nas costas. 
Hoje, quando engulo e sinto aquele ardor de garganta inflamada, estremeço. Cinco da manhã e a dor me acordou. A saliva escorregou feito lâmina cega. Fazia frio e notei que restou uma fresta na janela para o vento entrar. Descuido meu e falta dela.

Dia de febre, para o adulto, é dia comum. Minto: dia de febre é dia que se arrasta dolorosamente até o fim. Nada de coberta, canja temperada com carinho ou aquele aconchego que brota do colo. Não há espaço na agenda para tamanhas providências. 
Quase sete anos após sair de casa, concluo: longe da mãe, aquele descanso gostoso causado pelas enfermidades deixou de existir. Só me resta, agora, colocar uma pastilha de mel e limão sintéticos na boca e ir trabalhar. Na volta, engulo mais um comprido para dormir, afinal, o relógio não faz questão de andar mais devagar para que eu encontre as ervas de beira de rio e faça um xarope caseiro, igual ao que minha tia guarda a receita no coração.

Amanhã, talvez, por falta de descanso ou cuidado, a garganta ainda teime em arder. Estar doente dói mais quando estamos sozinhos.

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