terça-feira, 23 de agosto de 2016

Ensinamentos da adoção



Primeiro ensinamento proporcionado pela adoção: existem algumas situações que fogem do nosso controle, independentemente de esforço, devoção ou teimosia. O xixi no lugar errado e as reações indesejadas do outro, cachorro ou ser humano, existem para nos mostrar que o domínio é pura ilusão. Os cordéis de marionete postos naqueles que nos rodeiam são frutos de uma imaginação egoísta, que insiste em nos fazer acreditar na eficácia de um comando, quando, na verdade, não somos capazes de, ao menos, controlar nossa própria ansiedade diante do desconhecido e não habitual. 
Conviver, com cachorro ou ser humano, é cortar os cordões e aceitar o não-controle. Permitir, sem angústia, o vai-e-vem dos dias.


Segundo ensinamento proporcionado pela adoção: chego em casa e percebo que esqueci uma porta aberta. Diadorim teve o apartamento todo para si nessa segunda-feira. Não restou um tapete ou almofada no lugar. A cortina estava no meio da sala e eu ainda estou caçando um dos meus chinelos.
Antes, eu tinha mania de organizar tudo milimetricamente e, diante da cena, dei-lhe uma bronca. Foi a primeira desde que minha casa tornou-se também sua. Cansada, decidi, pela primeira vez, deixar tudo como estava. Não perdi tempo colocando cada coisa em seu lugar. Deitei no chão frio e ele logo esqueceu da gritaria. Quis matar a saudade de um dia longe. Aninhou-se nos meus cabelos e fez dali o seu lugar preferido. Da bagunça, que sempre fora sinônimo de caos, fez-se paz. 
Eu, finalmente, compreendi que, às vezes, a decepção é mesmo inevitável e nosso desejo de manter tudo sempre no mesmo lugar, impossível de se realizar.

Quando alguém nos engana ou faz mal, decepcionamo-nos. Não tem jeito. E, se houver amor, a decepção dói mais. Uma dor física. Real. Aquela sensação de impotência que faz arder os olhos e o estômago. Nesse caso, nossa primeira reação é, sem dúvidas, devolver todo ódio embrulhado em frustração. 
Diadorim, no entanto, me ensinou, em um dia oportuno, que as broncas, gritos e raiva são logo esquecidos. O que fica, depois de toda mágoa, é, justamente, o amor. 
Hoje, enquanto tinha-o em meus cabelos, aprendi que, em alguns momentos, é preciso esquecer a bagunça da vida, baixar o tom de voz e oferecer amor, ainda que doa cada estilhaço de decepção preso na carne.

Diadorim me mostrou que nenhum ódio compensa.

Imagem: Roberto Torterolli Jr. 

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