terça-feira, 23 de agosto de 2016

Muito (des)obrigada

Nas coisas mais satisfatórias do mundo, mora o agradecimento. Não me refiro à expressão "muito obrigado(a)" disparada feito tiro programado ao término de ações. Essa, convenção social, deveria ser corriqueira, apesar de ainda estar em falta em algumas prateleiras dos bons costumes. 
Penso que temos dificuldades em lidar com agradecimentos. Como quando faço aniversário e, ao receber felicitações, respondo, sem pensar: Para você também! Oras, o aniversário é só meu. Deveria, então, disparar um dos tantos "muito obrigada" que se acomodam na ponta da língua, esperando seu uso. No entanto, nunca gostei dessa tal expressão escolhida para demonstrar agradecimento.

O nosso "muito obrigado(a)" é uma variação de registro de algo muito mais complexo: "Sinto-me muito obrigado a vo-lo retribuir". Quando na expressão original, mostra sua verdadeira face - a da obrigação. Você já parou para pensar nos motivos que levam a expressão a ter flexão de gênero? Obrigado para homens. Obrigada para mulheres. Somos forçados pelas circunstâncias. Homens, obrigados. Mulheres, obrigadas. E vale dizer que o advérbio de intensidade, muito, faz toda a diferença. 
Ingênuos, acreditamos estar demonstrando demasiado agradecimento, quando, linguisticamente falando, demonstramos excessiva obrigação em agradecer. Talvez, por acaso ou destino, a obrigação em retribuir não seja exclusiva da fala. Feito raiz cabeleira das monocotiledôneas, a obrigação finca em um ponto específico do nosso ser. Finas, imperceptíveis, juntam-se, com o passar do tempo e das situações, impedindo-nos de agradecer desobrigados.

O "muito obrigado(a)", frio e impessoal, não mora nas coisas mais satisfatórias do mundo. Dia desses, esbarrei em um senhor no supermercado. A lata de milho desequilibrou de suas mãos e caiu. Eu a recolhi do chão rapidamente. Ele, então, sentiu-se muito obrigado em me agradecer. Disparou a convenção. Muito obrigado. Quase inaudível. Nem precisou olhar nos meus olhos. Seguiu o protocolo.
Fiquei parada no corredor, tentando encontrar qualquer resquício de gratidão que tenha escapado em seu rastro. Não encontrei. Senti-me sozinha.

Ao aprendermos que dizer "muito obrigado(a)" é suficiente, esquecemos a verdadeira e tão bela aparência dos agradecimentos. Criança que diz "obrigado(a)" quando recebe algo do outro é educada. As pessoas ao redor fazem festa. Ela cresce com a sensação de dever cumprido e só sente o vazio no peito quando, mais tarde e de repente, depara-se com um agradecimento verdadeiro.
Ontem, pediram-me algo simples. Não gastei mais do que quinze minutos do meu tempo. Eu já conhecera a face do agradecimento verdadeiro, mas nunca a tinha encontrado em feitos triviais, apenas nos grandiosos. Recebi uma mensagem de agradecimento curta, mas com uma verdade imensurável. Palavras quentes e agradecidas. Distante dos protocolos e próximas do coração. Não havia obrigação em sua fala.
Em um momento de descuido, senti-me completa. Senti-me cuidada. Humana. Senti, por fim, a maravilhosa troca invisível presente em um agradecimento. Doamos e recebemos.

E só me resta dizer: muito desobrigada por isso.

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