terça-feira, 23 de agosto de 2016

Um desabafo de quem é de Humanas: essa história de miçangas cansou



Eu sou de Humanas. Teoricamente, as profissões englobadas por essa área têm o ser humano e suas interações sociais, culturais, econômicas e políticas como objeto de estudo. Permeados de subjetividade, os cursos de Humanas, na maioria das vezes, prezam por reflexão e formas alternativas de ensino-aprendizagem. Assustou? Era de se esperar, mas não os culpo, afinal, nós mesmos, estudantes e profissionais, subjugamos e contribuímos para a estereotipação da área.

São poucos os pais que, em um momento pré-vestibular, sentem orgulho de dizer que um filho escolheu um curso de Humanas, a menos que seja Direito. Nesse caso, tudo bem. Fato histórico e facilmente justificado a partir de certos padrões comportamentais, os quais insistimos em perpetuar. 
Criou-se uma ideia, fixa e geracional, de que escolher Humanas é para os fracos, para aqueles que não estudam o suficiente ou então para os que vivem com a cabeça na lua, impossibilitados de cursar algo mais sério ou complexo. Já ouvi também que quem escolhe Humanas está afim de levar a vida numa boa. Desleixados que não se preocupam com o futuro, usuários de drogas que os possibilitam fugir da realidade, dentre tantas outras classificações.
De forma resumida, um curso de Humanas é a alternativa mais fácil, quando você não é capaz de ingressar em Biológicas ou Exatas.

Eu já fui de Biológicas. Senti na pele o peso de conteúdos incompreensíveis, chorei de medo horas antes de uma prova, decorei livros inteiros, senti-me humilhada por não saber apresentar dados de um painel. Sai do curso da mesma forma que entrei: insegura.
Enquanto fazia um curso da área de Biológicas, nunca ouvi piadas e nunca questionaram minha capacidade intelectual. Quando dizia que gostaria de ser pesquisadora, aplaudiam de pé. O jaleco é, inclusive, a capa dos super-heróis das Biológicas. Quando o vestimos, enxergam-nos como imponentes guerreiros, que lutam arduamente para alcançar seus objetivos.
Foi só guardar o jaleco no armário e dizer que migraria para área de Humanas que os elogios foram logo substituídos por piadas e olhares irônicos. Chegaram a me perguntar se eu tinha cansado de estudar. Meus pais indagaram os rumos do meu futuro. 
No primeiro ano da faculdade de Humanas, quase fizeram-me acreditar que tudo aquilo era perda de tempo. O meu sonho, aos olhares alheios, era uma piada.

Na roda de amigos, eu sou aquela que decidiu vender sua arte na praia. Eles, de outras áreas, têm sempre compromissos importantes e inadiáveis. Eu, de Humanas, levo uma vida de boa. 
Ah! Quanta inveja eles sentem de mim! Como gostariam de não precisar estudar tanto ou ter tantas preocupações profissionais. Nós, do lado de cá, vamos ficando calados. Entrando na brincadeira e incorporando o estereótipo.

Hoje, quando digo que quero ser pesquisadora, sou questionada. Pode, afinal, alguém da área de Humanas ser considerada cientista? Até nosso ilustríssimo governador Geraldo Alckmin já se mostrou leigo no assunto, quando afirmou que a Fapesp não deveria investir em pesquisas que não lhe oferecessem resultados práticos. 
O profissional de Humanas, em nenhuma instância, é levado a sério.

Dia desses, me perguntaram o que eu faria no próximo ano, quando terminasse, finalmente, a faculdade. Disse que seria jornalista e pesquisadora, oras. Riram e completaram: mas qual o seu plano B? 
Eu não tenho plano B. Estudei anos de graduação para isso. Assuntou de novo? 
E digo mais: aqui, fui transformada. Estou saindo do curso completamente diferente de quando entrei. Segura dos meus ideais e disposta a mudá-los quando surgir questionamentos.

Nada contra as piadas. O que me assusta é que nós, da área de Humanas, lutamos tanto contra qualquer tipo de estereótipo e, no final das contas, acabamos contribuindo para que sejamos englobados por uma imagem um tanto quanto depreciativa.
Aliás, nada contra quem faz miçangas ou vende a arte na praia. Acho um trabalho digno e de beleza singular. Um estilo de vida que está muito acima de uma única área do conhecimento.

O caso é que meu coração fica em apuros quando sinto na voz de meus alunos pré-vestibulandos o medo e o receio de dizer que preferem um curso de Humanas. Alguns já confessaram a vergonha de seguir na área. Outros, consideram suas escolhas insignificantes perto daqueles que almejam um curso de Biológicas ou Exatas. Sentem-se menos guerreiros, menos dedicados e, consequentemente, deixam de comemorar seus próprios méritos. Eu mesma já me senti assim, quando abri mão do Jornalismo.
É assim a vida de quem escolhe uma profissão de Humanas. 
Poucas vezes minha força, minhas abdicações ou meus sonhos foram levados a sério. Minha luta é sempre menor que a dos outros. E, por paixão ou por descaso, seguimos tentando entender esses seres humanos que se sentem superiores por gostarem disso ou daquilo.

Eu sou de Humanas, mas cansei das piadas de mau gosto. Miçanga, meus caros, é só um ponto luminoso diante da constelação que podemos construir.
Acredite, quem é de Humanas é tão guerreiro e tão capaz quanto qualquer outro profissional. Não desmereça uma luta que você não conhece por inteiro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário