terça-feira, 23 de agosto de 2016

Perdoar é paz



Do lado de fora, nunca saberei por inteiro o que se passa em seu universo particular. Eu aceito os limites de minha compreensão.
Enfrentar fila de padaria em manhã de poucos graus é um ato de coragem. A fornada acabara de sair. Dava para ouvir os suportes metálicos, aonde crescem os pães, sendo retirados dos fornos de alta potência. Do lado de cá do balcão, todos estavam ansiosos, retraídos, arrepiados, mãos nos bolsos à espera do acompanhamento para o café que, dali a alguns minutos, aqueceria-lhes a alma. 
Podemos aprender muito com as filas. É preciso ouvir o que elas têm a dizer.

De chinelos combinados com meias coloridas nos pés, duas amigas tagarelavam sem parar. Faziam planos para o final de semana que se aproximava. Uma delas, de repente, deu início a um sermão de dar inveja ao Vieira. Endureceu o tom de voz, colocou o dedo em riste e proibiu, terminantemente, a outra de falar com um fulano. 
Por medo, falta de apoio ou por serem as próximas a fazer o pedido no balcão, a conversa terminou. O cheio de pão recém-assado misturou-se com o bálsamo da incompreensão.

Já presenciei, vivenciei e protagonizei situação parecidas - amor, amizade, trabalho, decisões. Fui oradora e espectadora do sermão. 
Certa vez, um amigo confessou que sentia necessidade de contatar uma pessoa que fora importante em outras épocas de sua vida. Uma amiga que, um dia, o magoara. Eu trancei os olhos imediatamente. Senti-me no direito de impedi-lo. Lembrei-lhe toda a mágoa que seu peito suportou. Nossa conversa também terminou ali. Talvez, a confiança tenha findado junto às palavras.

Hoje, enquanto meus três pães eram embalados, o orgulho surgiu como erva-daninha diante dos meus olhos, daquelas que estrangulam e sufocam caules e raízes de um jardim florido. 
Quando o outro encontra uma maneira de limpar o terreno e fazer florir novamente, quem somos nós reagir com tesouras de poda a postos?

As relações interpessoais, sejam elas de quaisquer natureza, são infinitamente mais complexas do que nossos olhos podem ver. Do lado de fora, nunca saberemos o que se passa no peito do outro. Não podemos compreender totalmente os mistérios do sentir. 
Perdoar e baixar a guarda nunca foram sinais de fraqueza. Fraca é a amizade que não apoia e, dessa forma, não aduba nosso jardim.

Me arrependi, então, de todas as vezes que insisti em sentir pelo outro, apontando meu dedo indicador, julgando o perdão e espalhando ervas-daninha pelo ar. Nosso mundo interior é tesouro de um só. É preciso ter cuidado com as palavras e aceitar os limites de nossa compreensão.
Senti vontade de abraçar a menina da fila do pão. Dizer-lhe que, se assim deseja, disque o número. Perdoar é paz. Ninguém tem o direito de privá-la das flores de seu próprio jardim.

Nenhum comentário:

Postar um comentário