terça-feira, 23 de agosto de 2016

As vantagens da casa cheia

Morar sozinha é um encontro permanente comigo mesma. Meu interior extrapolado em cada detalhe do apartamento. Escolhi o silêncio de um só para poder ouvir meus pensamentos com mais clareza e estou satisfeita com o resultado. Só tem um problema: cozinhar sozinha. 
Encaro o cozinhar como um momento de partilha. Mistura dos sabores que me apetecem com o gosto daqueles que compartilharão a mesa comigo. Colocar o resultado da mágica acelerada pelo fogo ao centro da mesa e deixar que o aroma do prato nos leve a um estado de transe - o estar-junto dos cinco sentidos. 
No horário do almoço, subindo as escadas do meu prédio, senti o cheiro de comida feita casa esgueirando-se pelo vão de uma das portas daquele andar. Lembrou-me o bife acebolado que me recebe aos finais de semana, quando visito a casa da minha mãe. Junto ao cheiro, o som de um comentário que elogiava o prato. Não pude ver a cena, mas a imagem daquele momento compartilhado é fácil de imaginar. Deu saudade de ter todas as cadeiras ocupadas e da mesa posta. Televisão não é companhia e, de repente, o sofá tornou-se tão incômodo.

Hoje, almocei com uma amiga querida, mas, confesso: a mesa de um restaurante não tapa o buraco de uma casa vazia na hora das refeições. Ali, os sentidos ficam tímidos diante do olhar das pessoas ao redor. O ritual é caseiro, não tem jeito.
São esses momentos de descuido, o almoço dos vizinhos ou uma cena imaginada, que nos fazem lembrar de que a solidão é boa e, muitas vezes, necessária, mas a casa cheia também tem suas vantagens.

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