terça-feira, 23 de agosto de 2016

Um respiro no caos: de início, o arroz queimou



Eu tenho um ritual para fazer arroz. Ansiosa, é tortura esperar toda aquela água evaporar. Enquanto o arroz cozinha, lentamente, leio uma ou duas crônicas de escritores queridos. Hoje, no entanto, a maldição do encanto fácil me tocou. Para me isentar da culpa, permita-me dizer que era Rubem Alves. O último livro que escreveu antes de sua partida. Encantada com as palavras, comecei um terceiro texto e deixei o arroz queimar. 
Diante da panela chamuscada, o jeito era buscar abrigo naquele restaurante de sempre.

Gosto de frequentar os mesmos lugares pela possibilidade dos encontros ocasionais. Depois de anos de desastres culinários, já conheço a moça do caixa e alguns outros clientes que costumam almoçar no mesmo horário. 
Nunca nos apresentamos formalmente, mas, sempre que nossos olhares se cruzam, sorrimos como velhos conhecidos da rotina.

Sentei-me à mesa e busquei rostos familiares ao redor. Uma tentativa de me sentir em casa. Logo nas primeiras garfadas, entra uma mulher que é cliente tão antiga quanto eu. Hoje, entretanto, ela era a mesma, com seu tailleur azul-marinho, mas estava diferente. Acompanhada. Entrou de mãos dadas com alguém que, até então, nunca estivera ali. Sorriu para moça do caixa, apertando ainda mais seus dedos contra os dele. 
Quando seus olhos esbarraram nos meus, sorriu como quem quer contar uma novidade. Compartilhou, silenciosamente, a felicidade que não lhe cabia no peito.

Terminamos juntos. Na fila, estavam logo atrás de mim. Ele comprou um chocolate e colocou-o nas mãos dela. Segurando aquele embrulho tão vermelho quanto o rubor que lhe queimava a face, ela gargalhou. Olhei para trás e gargalhamos também juntos. 
Descobri, finalmente, que seu nome é Bruna e que aquele, apresentou-me, era o Tiago, não sei se com ou sem h. O pedido de namoro foi feito minutos antes de entrarem no restaurante. Estavam radiantes. Transbordando luz. Tanta que até iluminou o meu dia.

Paguei a conta e me despedi. Não sei se me ouviram, estavam felizes demais sorrindo um para o outro. Admiravam-se com tanto carinho que, do lado de fora, também sorri.
Hoje, somos todos coadjuvantes e o mundo é palco desse amor recém-confessado. 
Quando encontrar a Bruna novamente, em um almoço qualquer, quero lhe dar um abraço e dizer que, enquanto aquela luz não se apagar, eu não me importo de deixar o arroz queimar mais vezes, só para compartilhar o riso e clarear os dias, como se fôssemos velhas conhecidas do acaso.

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