quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Emplasto anti-hipocondríaco



Brás Cubas era um menino levado. Endiabrado, como costumavam lhe chamar pelas costas. Fruto da sociedade burguesa, realizava todos os seus desejos, quer fossem plausíveis, quer não. Contou, em suas memórias póstumas, que, quando descontente, vingava-se, como fez com o pobre doutor Vilaça, na noite do jantar especial em comemoração à derrota de Napoleão. 
Brás Cubas teve uma vida de não realizações. Nada produziu, apenas consumiu. Pouco antes de falecer, agarra-se a uma ideia fixa: a criação de um emplasto anti-hipocondríaco, que, dizia, era alívio para a melancolia da humanidade. Já do outro lado do mundo, confessa a farsa - o real motivo da criação do medicamento era ver seu nome escrito nas caixinhas de remédio. Desejava, de alguma forma, ser eternizado, ainda que não houvesse feitos heroicos em sua biografia.
Machado o criou exatamente para demonstrar o vazio existencial da burguesia de sua época, marcada pela aparência e abandonada pela essência. Memórias Póstumas de Brás Cubas é o drama da irremediável tolice humana.

A elite conservadora é Cubas. Bate o pé, vinga-se e preocupa-se com mesóclises durante o discurso. Tenta parecer mais do que ser. Quando não alcança seus objetivos, cria o tal do emplasto anti-hipocondríaco, que garante a cura de um Brasil adoecido pela crise, a qual ninguém sabe ao certo a causa verdadeira.
O PMDB é, aliás, feito de farmacêuticos primorosos, devo admitir. Não é a primeira vez que, sem ganhar uma eleição, emplaca um emplasto no mercado. Dessa vez, emplasto anti-hipocondríaco Michel Temer, mas já foi chamado de Sarney.

Quando Temer encontrar Brás Cubas, do outro lado do mundo, talvez, em uma conversa burocraticamente arranjada, ele também confesse: diante das não realizações partidárias, o PMDB criou placebo só para sentir o gostinho de ver seu nome estampado nas caixinhas de remédio. 
Brás baterá em seu ombro amigavelmente e, então, contará todas as vezes em que seu pai, assim como toda a burguesia, o protegeu e realizou seus desejos, ainda que a duras consequências, como a morte da escrava que não quis lhe dar uma colher de doce de coco. Temer ficará aliviado ao compartilhar falcatruas. Esvaziará os pulmões e deixará escapar que nunca pretendeu, com seu emplasto, curar uma mazela brasileira sequer. Era tudo questão de vaidade e poder.

Enquanto, do outro lado do mundo, o papo flui em linguagem formalíssima, há de se achegar, mansamente, Oswald de Andrade e seu Manifesto Antropofágico, deglutindo e degustando todas as mesóclises de Temer. Mastigando de boca aberta. Mostrando-lhe as mil e uma faces da cultura brasileira e lutando contra a catequização burguesa de ares estrangeiros, que ele, em vida, fez os brasileiros engolirem goela abaixo, como agora engole-se, antropofagicamente, toda sua pompa.
Temer, antes aliviado, será tragado. Um emplasto que nunca teve a intenção de curar, tampouco faz história; a tinta, que lhe serve de eternidade, logo será raspada das caixinhas de remédio. Restará apenas um borrão, que é como nos lembraremos de sua passagem covarde pela política brasileira.
Um Cubas, que não realizou, apenas consumiu.

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