terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Para meus alunos e alunas, - as palavras que eu gostaria de ter ouvido de meus professores quando prestei o ENEM e demais vestibulares pela primeira vez

Você pode falhar. Não tem nada de errado em falhar. Eu juro. Prometo que seu futuro é muito maior que qualquer prova de questões múltipla escolha. Confia em mim e, principalmente, em você.
Falta uma semana para o ENEM 2016. Nos dias 5 e 6 de novembro, milhões de brasileiros estarão confinados em uma sala quente qualquer. Hoje, uma aluna surtou. Rasgou o simulado. Chorou. Chutou a carteira. Não conseguiu acertar o número de questões que a fizeram acreditar ser aceitável. Não deu tempo. Cada tic-tac do relógio massacra a autoestima. Fora da sala, conversamos. Ela me disse que nunca havia acertado mais que 60% de qualquer prova. Os pais reafirmam que esperavam mais a cada resultado. Alguns professores dizem que é preguiça de estudar, outros já a colocaram no grupo dos casos perdidos. Essa aí não esbanja inteligência. Torcem para que escolha um curso com baixa nota de corte para contabilizar a aprovação nas estatísticas da escola.

Ela tem 17 anos. Viveu menos de duas décadas e já sente a pressão de ser adolescente em um sistema educacional meritocrático. Contei a ela uma história sobre chaveiros, inteligência e aprendizado. Nesse ponto, você deve estar se perguntando: mas o que, afinal, essas três coisas têm em comum?
No primeiro mês em que enfrentei a odisseia de morar sozinha naquele apartamento para um só, minha fechadura emperrou. Era chave tetra. Daquelas difíceis de arrumar. Na madrugada, presa do lado de fora, chamei um chaveiro. Demorou quase duas horas para chegar. E mais duas para consertar.
Nesse tempo em que estive em sua presença, Damião, o chaveiro, me contou que trabalhar sozinho não é fácil. Ele, que não tinha ensino fundamental completo, tinha que lidar com as contas, a divulgação do trabalho, a realização e, de quebra, o atendimento ao cliente. Onde é que Damião arranjava tanto tempo, pensei.
Ele me disse que morava na área rural de uma cidadela vizinha e, por isso, demorou tanto para chegar até meu endereço. Contou que, no caminho, repassava todas as tarefas diárias mentalmente. Organizava os afazeres. Nas primeiras horas da manhã, fazia exercícios de alongamento para as mãos. Não ligava de perder o primeiro cliente. Antes de mais nada, os exercícios que tinha aprendido em um daqueles programas de bem-estar da Rede Globo.
Insisti na importância dos exercícios. Por que perdia tanto tempo de um dia curto alongando, alongando e alongando dos dedos?
- Minha filha, minhas mãos são meu instrumento de trabalho. Prefiro perder o primeiro cliente e algumas horinhas na manhã a ter que encarar a faca da cirurgia. Imagine só. Conheço chaveiros que trabalham mais horas que eu, mas que, descuidados, já dão sinais de cansaço. E temos a mesma idade! Perco um cliente por dia, mas ganho muitos dias por ano.
O ensinamento de Damião foi maior do que qualquer um que recebi no ensino formal. Daquele dia em diante, pisei no freio. Decidi que era hora de tomar café da manhã, experimentar a sensação do espreguiçar, pentear os cabelos com calma. O ritual era meu alongamento.
Tenho certeza de que Damião não seria um destaque no ENEM. Há muito não entra em contato com fórmulas e todos aqueles conceitos que nos fazem decorar. Ele não acertaria 50% da prova, aposto. Mas ele é sábio. Um grande sábio.
Dia desses, uma mulher estava horrorizada por saber dos casamentos indianos infantis. Ele tinha 10 anos. Ela também 10. O contrato, foram os grandes que assinaram. Dizia que não tinham escolha. Não sabiam o que estava fazendo. Como podem submeter as crianças a isso?
Esqueceu-se que nós, brasileiros, fazemos igual, quando obrigamos o adolescente a selecionar, naquele espaço em branco, a profissão que irá encarar quando a idade adulta chegar. A dor que os adolescentes enfrentam agora é que, na verdade, eles não têm condições de saber o que é que eles amam. Mas a máquina os obriga a tomar uma decisão para o resto da vida, mesmo sem saber.
Professor, quando assume a sala de aula, parece até que se esqueceu da época de aluno. Professor é desmemoriado. Não se lembra das angústias e inseguranças. Como um rolo compressor, uniformiza. Deseja que todos tenham o mesmo desempenho e, de preferência, que seja ótimo. Ignora a sabedoria que mora em cada aluno, apostando todas as fichas em um resultado quantitativo frio.
Para meus alunos que vão prestar o ENEM e demais vestibulares, eu digo: respirem. Ninguém aprendeu, ainda, a quantificar sabedoria. Sistematizar desumaniza, mas calma. Eu sei que eles não vão dialogar e esperar você demonstrar todo o saber que guarda no coração - a habilidade com o giz de cera pastel, que ninguém sabe usar, as músicas que te trazem inspiração, as transformações que a aproximação da vida adulta traz. Também sei que é este número o responsável pela sua aprovação no curso dos seus sonhos, mas calma.
Errem. Errem muito. Errem sem medo. Encarem as questões de peito aberto e reconheçam os sinais: tem muito ali que a vida lhes ensinou. Errem as alternativas, errem a escolha do curso. Não precisa acertar, eu juro que não precisa.
Não se concentrem apenas nos conteúdos que aprenderam das 7h às 12h, ou das 13h às 18h e também das 19h às 23h.
Lembrem da vida que tinham fora da sala de aula. Das brincadeiras. Risadas com os amigos. Das rodas de conversa. Do sabor predileto de sorvete. Daquele amigo que, na pracinha, te ensinou que nesse canto tem mais abelhas por causa das flores. Daquele outro que, na natação, te ensinou porque saem bolhas do nariz. Não se preocupem com os termos desconhecidos. Não formalizem a beleza do ensinar e do aprender em moldes rebuscados.
E, se não atingirem a meta, paciência. No próximo, a bagagem estará mais pesada, você vai conhecer gente nova, repensar nos planos e, quem sabe, perceber que se alongar, às vezes, não é perder tempo, mas, sim, ganhar, como me ensinou o Damião.
Eu mudei de ideia várias vezes, o que me fez muito bem. Se for necessário, comecem de novo. Não há pressa. Que diferença faz receber o diploma um ano antes ou um ano depois?
Não queira que seu caminho seja exatamente como a trajetória do outro. Eu sei, dá uma aflição danada vê-los começando a corrida e a gente ficando para trás. Mas a vida nunca foi linha reta.
A vida é uma ciranda de muitos começos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário