terça-feira, 13 de dezembro de 2016

No sábado, fiz cabelo, maquiagem e coloquei salto alto

No sábado, fiz cabelo, maquiagem e coloquei salto alto. Vesti decote e usei brincão. Coisas nada usuais. Quando finalizei a produção, soltei uma interjeição. Surpresa. Olhei no espelho e não me encontrei. Há tempos não destinava tanta energia para o externo. Aparência nunca foi meu forte. Exagerei no delineador e no batom para me sentir empoderada. Cresci alguns centímetros e enfrentei o chão irregular, segurando com toda força na minha autoestima, nem tão alta assim.
Já na festa, o espelho era outro e a sensação, a mesma. Não me encontrei. Logo tirei o salto, os cachos foram desfazendo, batom borrou e eu, com toda minha delicadeza, amarrei a barra do vestido para poder dançar melhor. Nesse momento, não sei se foram as luzes ou o som alto, estagnei e olhei ao redor. Pensei: como é que pode todas aquelas meninas estarem impecáveis às três da manhã? Sinto a mesma sensação na academia, quando percebo que, enquanto estou em um estado deplorável, as outras mulheres não suaram uma gota sequer. Não sei se danço demais, ou elas dançam de menos.

É claro que a produção é efêmera. Coisa de momento. Talvez seja por isso que, nos contos de fadas, Cinderela tem prazo de validade. Os contos de fadas, aliás, dizem muito sobre nós. Uma pena apresentarem representações tão principescas e pouco reais. Minha meia-noite chegou antes do planejado. E eu ainda não me encontrei.
No outro dia, encarei o espelho com olhos de ressaca. Longe de ser Capitu, mas perto de ser eu mesma. Coloquei minha camiseta do Batman, prendi o cabelo naquele coque mal feito que eu adoro e prometi, pela vigésima vez, que não usaria mais salto alto. As bolhas me lembrarão disso por um tempo. Por algumas horas, refleti o quanto nós, mulheres, acreditamos nos padrões, ainda que, quando nos perguntem, cruzemos os braços, como um escudo, e afirmamos a planos pulmões que fugimos à regra.
Você não precisa estar toda produzida para se sentir empoderada, menina - disse aquela voz que faz morada dentro da gente. Não se culpe por não gostar de maquiagem, salto alto, vestido colado e cabelo arrumado. O poder é coisa singular. Individual. Ora vermelho, ora nude. Esqueça aquela imagem que a mídia classificou como mulher fatal. Você não precisa ser fatal, você só precisa ser.
Aliás, não há problema algum em preferir a estampa de Batman ao decote, continuou a voz, eu juro. Isso não te faz menos mulher ou menos bonita.
Depois de tanto cansaço gerado pela produção, arruma daqui, prende dali, aprendi: empoderada não é a mulher que se veste desta ou daquela maneira, ou que segue as tendências da moda. Empoderada é a mulher que se reconhece no próprio corpo e, finalmente, descobre qual é a imagem que ela, e somente ela, gostaria de ver no espelho. Existem mil e uma maneiras de ser fatal. Mil e tantas outras de sentir poder.
Não se torture.
Pode ficar incomodada com o batom e com o penteado. Vai, tira o salto, os grampos, o rímel. Abre o vestido para respirar livre.
Esse tal poder, que é raiz da mulher emPODERada, só brota realmente quando descobrimos a beleza que não se vê com os olhos. Essa não acaba à meia-noite.

Nenhum comentário:

Postar um comentário