terça-feira, 30 de setembro de 2014

Um dia disseram para eu me colocar em meu lugar. Eu fui.

Hoje à tarde, quando saía do trabalho, deparei-me com um casal almoçando em uma mesa sob o sol. Parei ao lado do carro e comecei a busca pelas chaves dentro da bolsa. Enquanto percorria todas as repartições daquela que continha uma boa parte dos meus dias, não pude deixar de ouvir o diálogo entre os dois – que mais parecia um monólogo, visto que ela, cabisbaixa, não tinha direito de resposta.
O momento foi breve, mas o suficiente para que a frase no imperativo chegasse aos meus ouvidos.

Coloque-se no seu lugar.

A ordem reverberou  nas paredes que circundavam minhas memórias.
Eu já estive na posição de destinatária daquela mensagem – e também não ergui os olhos. Os meus, lembrei, pareciam bacias cheias d'água que não transbordavam por um fio – daquelas que carregamos na cabeça e, se feitos movimentos bruscos, derramam. Deixei-os baixos por medo da correnteza do rio. Medo de ser levada para longe pelo fluxo salgado de lágrimas que escorreria de dois poços castanhos.

Coloque-se no seu lugar.

Eu não soltei as mãos, empurraram-me sem desvios em direção aquele lugar que era meu.
Fui forçada a começar a caminhada.
Empurrão faz tropeçar no começo e, em meio a tropeços e passos vacilantes,  eu fui. Afastei-me e cheguei  a um lugar em que habitavam medos só meus, amores só meus – sentimeus.
Demorei a acostumar. Afastar todos os véus e penetrar na selva do autoconhecimento que cobria o caminho subsequente de interrogações.
Varri a folhagem seca para o canto – monte de folhas amarelas, cor de outono, que encobriam a passagem de acesso à clareira central, na qual morava a paz de estar em par comigo mesma.

Cheguei ao meu lugar e não pretendo mais voltar.
Quem quiser que traga flores ao me visitar.

Tive vontade de  puxar uma cadeira e me juntar a eles – pedir um suco tão frio quanto aquilo que pensavam estar vivendo, e dizer a ela: cumpra, pela última e derradeira vez, a ordem que recebe.
Coloque-se no seu lugar que, posso garantir, não é ao lado de quem enche seus olhos de lágrimas.

Entendi, definitivamente, que amor não manda para longe – é dois que partem na mesma direção, buscando clareira em comum.
Quis puxá-la pelas mãos, tirá-la dali e mostrar os tantos lugares que poderiam ser dela.

Entrei no carro e dei uma última olhada praquela mesa  e, em mim, alojou-se uma esperança – que ela seja um dia empurrada contra o precipício também.

Que ele a liberte para que ela ocupe, de fato, seu lugar.


E, por fim, quando aqueles dois tornaram-se apenas pontinhos distantes em meu retrovisor, desejei com muita intensidade que ela, um dia, quisesse estar ao lado de alguém que não invadisse seu espaço, mas que estivesse disposto a visita-la em seu universo – sem impedir suas estrelas de brilharem.

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