domingo, 14 de setembro de 2014

Passos de Dança

Primeiro, o tropeço. Em seguida, a dança.

Uma história sobre como a arrogância, quando ausente, faz o outro querer ser mais.

Ela não sabia sincronizar os pés em passos de dança. Em meio ao salão lotado, grudou as mãos trêmulas na cadeira - eu podia sentir o cheiro de medo mais forte que o aroma de seu perfume. 
Ele era um pé-de-valsa, como costumavam chamar aqueles que decoravam o palco com suas extravagâncias. 

Foi observando-o dançar que o coração deixou de ser só dela. 


Ele, sentindo, dentre todos os olhares de admiração, o dela em evidência, convidou-a para seguir ao centro - subir na roda-gigante musical e rodar sem notar o redor. 
No começo ela resistiu. Não sabia dançar - sentia vergonha do não saber.

Ele entendeu, afinal, em meio aos seus passos elaborados, os dela ficariam perdidos. 
Não desistiu. Disse, ao ouvido da moça que, enquanto seus pés a guiassem, as mãos dela seriam senhoras daquela composição. 
Sem arrogância, acompanhou-a pelos caminhos que suas mãos traçavam e sem que ela percebesse, ele a conduzia. Foi assim que ele a ensinou a dançar. 
E, em passos delicados, como o beijo que lhe foi concedido na segunda música, levou-a por uma nova estrada até o fim da vida. 

O fim do caminho dela chegou primeiro. Hoje, ele, com dois pés, não mais quatro, deixou a extravagância de lado - só rodopia na cama, quando sonha com a imagem dela ali presente. 
Num misto de saudade, ele sente orgulho de si mesmo. Afinal, não fosse ele aquela noite ao som do blues de baixa frequência, ela passaria a vida em passos desbotados, sem conhecer a deslumbrante beleza dos passos de dança. 
Por um ato dele, modesto e despretensioso, ela quis ser mais.

Sorte daqueles que encontram, num salão de dança ou na vida, alguém que diminua seus passos humildemente para acompanhar o ritmo dos nossos, a princípio trôpegos. 




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