Primeiro, o tropeço. Em seguida, a dança.
Uma história sobre como a arrogância, quando ausente, faz o outro querer ser mais.
Ela não sabia sincronizar os pés em passos de dança. Em meio ao salão lotado, grudou as mãos trêmulas na cadeira - eu podia sentir o cheiro de medo mais forte que o aroma de seu perfume.
Ele era um pé-de-valsa, como costumavam chamar aqueles que decoravam o palco com suas extravagâncias.
Foi observando-o dançar que o coração deixou de ser só dela.
Ele, sentindo, dentre todos os olhares de admiração, o dela em evidência, convidou-a para seguir ao centro - subir na roda-gigante musical e rodar sem notar o redor.
No começo ela resistiu. Não sabia dançar - sentia vergonha do não saber.
Ele entendeu, afinal, em meio aos seus passos elaborados, os dela ficariam perdidos.
Não desistiu. Disse, ao ouvido da moça que, enquanto seus pés a guiassem, as mãos dela seriam senhoras daquela composição.
Sem arrogância, acompanhou-a pelos caminhos que suas mãos traçavam e sem que ela percebesse, ele a conduzia. Foi assim que ele a ensinou a dançar.
E, em passos delicados, como o beijo que lhe foi concedido na segunda música, levou-a por uma nova estrada até o fim da vida.
O fim do caminho dela chegou primeiro. Hoje, ele, com dois pés, não mais quatro, deixou a extravagância de lado - só rodopia na cama, quando sonha com a imagem dela ali presente.
Num misto de saudade, ele sente orgulho de si mesmo. Afinal, não fosse ele aquela noite ao som do blues de baixa frequência, ela passaria a vida em passos desbotados, sem conhecer a deslumbrante beleza dos passos de dança.
Por um ato dele, modesto e despretensioso, ela quis ser mais.
Sorte daqueles que encontram, num salão de dança ou na vida, alguém que diminua seus passos humildemente para acompanhar o ritmo dos nossos, a princípio trôpegos.
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