segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Um mundo por vez

É assim que as boas intenções morrem - você sente que simplesmente não adianta. Que, por mais que cave, nunca será suficiente para tapar o buraco. 
Aos poucos a gente se anestesia. Ou, como outros preferem pensar: o sofrimento vai deixando a gente menos sensível, como os pés que criam casca grossa de andar descalços. Na prática, começamos a fechar os olhos, fingir que não vimos.

Num desses fechares de olhos, pulamos o outro caído no asfalto da avenida como se ele fosse uma poça inconveniente que sujaria nossos sapatos.

As pessoas têm mania de me dizer que não podem resolver sozinhas o problema da desigualdade social. E eu tenho mania de enxergar um problema maior que a própria desigualdade: o não fazer nada só porque podemos pouco. 
A gente pode muito se coloca boas intenções, não nas horas vagas, mas naquilo que somos e fazemos todos os dias. 

Concordo com os céticos que gritam palavras de pessimismo: boas intenções diárias não resolvem o problema, imensamente maior que nossa existência individual. Não resolvem. 
Boas intenções não vão erradicar o prefixo da desigualdade do mundo, elas, particulares que são, mexem com um mundo por vez. E é assim que a solução chega e as boas intenções permanecem vivas: transformando um mundo por vez. 

Boa intenção é líquido raro combinado com gentileza.
E gentileza é daquelas coisas simples que não pedem tempo, dinheiro ou preparação - é conjunto de cores que colorem sem esforço.  

Hoje, ao não praguejar o carrinho de papel reciclado que atrapalhava o trânsito e fazia os ponteiros do relógio voarem, tornando meu atraso ainda maior, eu colori dois mundos - o meu e o dele, que, ao fazer o seu trabalho, recebeu um sorriso para variar os olhares de desaprovação.
É deste modo, colorindo um mundo por vez, que o cinza da desigualdade pode vir a ser diluído em outras tonalidades - amarelos de sorrisos, azuis de olhares tranquilos, verdes de boas palavras. 
Gentileza é arco-íris - trilha de cores. 

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