O ventilador
da sala de aula abafada girava e Laura o encarava entediada. A voz estridente
da professora chegava aos seus ouvidos e reverberava. O pó do giz irritava seu
nariz. Todos os sentidos estavam ali, sendo estimulados por aquele ambiente
nutrido de palavras, números e formas geométricas. A mente, ao contrário,
criava asas e voava para longe, buscando um recanto no qual pudesse se desvencilhar
dos testes e da pressão de terminar o exercício complementar antes do sinal.
Laura odiava
Matemática. Olhava os números sem interesse, a beleza de aprender a somar e
subtrair não a conquistou. Era sempre a última a terminar a lição e perdia
parte do intervalo tentando resolver problemas intermináveis, o que colaborava para
sua repulsa, afinal, a Matemática era a responsável por privá-la dos bons
momentos de descanso entre as aulas. Naquele ano, fez sua primeira recuperação –
recuperou a nota e perdeu de vez a vontade de aprender.
Sua mãe
questionava os motivos pelos quais a filha tinha dificuldades numa só matéria.
Como seria possível brincar com as palavras com tanta maestria e chutar os
números de canto, fazendo cara feia sempre que eles lhe saltavam aos olhos? Laura,
emburrada, desconversava: matemática não era sua praia.
Certo dia, ao
observar os colegas de sala felizes pelos acertos na prova da disciplina
detestável, Laura desejou sentir o gosto de ser boa naquilo também. Desejou
receber uma prova sem os famosos “x” vermelhos que a perseguiam. Para a menina,
aquela nota tão baixa quanto sua altura significava o quão desajeitada ela era
com os números. Resolveu, então, conversar com sua professora e pedir ajuda.
A professora,
impaciente com o calor que exalava pelos poros e com as vozes que insistiam em
martelar em sua cabeça, disse que Matemática era dom – era preciso nascer com
ele. Laura arregalou os olhos pré-adolescentes e fechou, definitivamente, a
janela para os algarismos. Assustada e com medo das provas que ainda estavam
por vir, correu para seu refúgio de palavras, as quais eram abraço quente.
Provas de matemática, banho de água fria.
Laura cresceu
achando que não havia sido presenteada pelo tal dom, o que, consequentemente, a
impediria de ser boa nos cálculos da vida. Fugiu dos números, decidiu seu futuro
baseada naquela opinião desatenta da última aula de uma quarta-feira do ensino
fundamental.
Cresceu, apaixonou-se
pelo ato de ensinar e decidiu destinar seu futuro a compartilhar conhecimento.
Numa dessas andanças pelos caminhos da educação, Laura encontrou um aluno que
lhe ensinou muitas coisas – dentre elas, as perspectivas do educar.
O aluno, assim
como ela, não gostava de Matemática. A aula de Laura era pós-intervalo e,
sempre que chegava para começar o ritual, encontrava o mesmo aluno quebrando a
cabeça para resolver os mesmos problemas intermináveis que a aborreciam quando
jovem.
Após
tantos encontros, Laura perguntou o motivo pelo qual, mesmo não gostando da
disciplina, o aluno escolhia perder o intervalo para realizar inúmeras tentativas
se, ao final delas, os erros seriam maiores que os acertos. O aluno ergueu os
olhos da folha marcada pelo lápis e quase rasgada de tanto sentir o peso da
borracha e disse:
-
Bom, eu insisto em ficar aqui porque minha professora de Matemática diz que não
importa o resultado final, mas sim o caminho que escolhemos para chegar até
ele. Ela diz que eu posso errar muito agora, mas, com o tempo, os acertos
virão.
Laura
reparou que os olhos deles não estavam abertos de medo. Os números não eram
monstros, mas meros obstáculos que, com a força necessária, seriam colocados no
acostamento da estrada, permitindo caminhar tranquilo. E continuou:
-
Eu não gosto de perder meu intervalo, mas tô cansado de correr dos números. A
minha professora sempre diz que correr dos problemas cansa mais que sentar aqui
alguns minutos e tentar ser amigo deles. É isso que estou fazendo. Eu erro
sempre e quase nunca tiro notas altas, mas ela disse que isso não importa. O
importante é o meu desejo, o valor da nota é consequênci
Correr
realmente cansa. E Laura percebeu que os professores correm a todo instante,
impedindo seus alunos de encontrem esconderijo tranquilo. Percebeu também que a
história do “dom” que lhe contaram era balela. No final, é tudo questão de
incentivo.
Sorriu
para o menino e virou-se para começar a apagar a lousa repleta de operações
matemáticas. Os números que ali estavam eram os mesmo da sua época de
estudante, mas, diante daquele menino que apontava o lápis sem parar para dar
continuidade às tentativas, constatou a importância do papel do professor para evidenciar
a beleza ainda não vista.
Enquanto
sua professora tapou seus olhos, os do menino foram ensinados a ver. A primeira
tarefa da educação é ensinar a ver – é através dos olhos que as crianças tomam
contato com a beleza mundo. Os olhos têm de ser educados para expandir nosso
mundo interior.
Decidiu,
naquele momento, que suas prioridades como educadora seriam modificadas – não mais
priorizaria os fatos concretos e os resultados quantitativos, mas estaria
preocupada, acima de tudo, em abrir os olhos daqueles que estivem à sua frente,
esperando pelo tema da aula do dia.
Laura
compreendeu que o professor não é única e exclusivamente transmissor de
conhecimento, mas, especialmente, responsável por apresentar a beleza do mundo
aos seus alunos. Incentivando-os a enxergar o universo como um todo, não mais
fragmentado por números, palavras ou reações químicas.
O
menino, após muitos erros, encontrou a beleza dos cálculos. Sua visão
extrapolou os números que circundam sinais de soma ou divisão e vislumbrou tudo
aquilo que eles representavam. Tão belos que o encantaram.
Laura
tornou-se, a partir daquele diálogo que tivera com o aluno, aprendiz – recebeu em
sua casa, anos depois, o convite para a formatura do futuro professor de
Matemática que seria graduado em alguns meses.
Incentivado pela professora de Matemática, ele
continuou errando, até um dia acertar de vez.
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