terça-feira, 16 de setembro de 2014

Azul é liberdade repousada

Leve mar leve esses medos dela. 

Era sempre noite naquela casa de muitos cômodos, todos preenchidos por mobiliários antigos e, em grande parte, sem utilidade. Era escuridão ainda que os ponteiros do relógio já tivessem passado pelo número doze pela segunda vez.
A casa, solitária, carregava histórias de gerações. Olhava o mar distante, para lá daquela montanha de pedras que se acumulavam sob seus pés. 
Era no distante que havia a leveza das ondas. Da janela do quarto do segundo andar, o castanho dos olhos dela assistia a um espetáculo de liberdade. E como elas eram livres!  
Vão e vêm, batem nas pedras, desfazem sua forma, viram espuma rasa e reinventam um novo ciclo sem perder sua essência, água que se confunde com firmamento. Azul arraigado como aquele preso à íris dele. 

Invejava o mar aberto. Sobre o mar não tem construção, é ele que se dispõe sobre as pedras.
As pedras dela eram sob, as da imensidão azul, sobre.
Ela cansou de apoiar-se na janela, fechou a cortina e desceu as escadas. Permaneceu tanto tempo ali, pisoteando aquele carpete carcomido pelo tempo, que os pilares do primeiro andar confundiam-se com suas pernas assustadas demais para o próximo passo. 
Talvez a casa fosse ela mesma. Isolada por seus medos e entulhos da vida de outros que carregava junto ao peito.

Afastou os escombros daqueles que um dia estiveram ali e chegou até a porta. Perdeu a conta de quanto tempo carregou pesos e angústias que não eram seus e, carregando-os, deixou de flutuar. 
A maçaneta, enferrujada pelo tempo, rangeu ao rodar - o mesmo barulho do globo terrestre de acrílico que teimava em girar e mostrar-lhe o mundo que podia conhecer. 

Enfim, saiu. 
Abriu caminho na mata fechada de insegurança, deixou a luz chegar. 
Da eterna noite, fez-se dia. A claridade afastou a neblina que a impedia de enxergar o infinito. 
Era Abril e ela encontrou o mar. Transformou-se em onda e deixou-se entranhar no azul, mergulhando leve, livre de entulhos e sentimentos alheios não afundou, mas fundiu-se à imensidão - pronta para bater na pedra mais próxima, desfazer-se e fazer-se nova. 

Sem bagagem de outrem, o sobre vira sob e as pedras deixam de pesar. 

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