terça-feira, 5 de agosto de 2014

Quem é que vai nos libertar dos grilhões do medo?

Ela, terceira pessoa, poderia ser primeira se eu estivesse caminhando por ali. A diferença entre a terceira e a primeira é um pulo de duas casas, dois terrenos baldios.Ela, com seus 17 anos, pensara ser livre. Caminhava numa direção definida por ninguém além dela mesma, para chegar aonde quisesse.  Mas, não por acaso ou destino, esbarrou numa barreira de 10 homens que a impediram de continuar seu caminho. Arrastaram-na sobre a terra, deixando um vinco preenchido por lágrimas - rio no qual o seu sossego desaguou, sendo levado para longe.

O longe é lugar desconhecido, não se sabe como chegar. Lá mora o sossego de muitas outras terceiras pessoas de 17 anos. Sem contar o daquelas com mais ou menos anos – afinal, não há limite de idade para perder aquilo que nos faz brilhar: a paz.Terceira pessoa do singular não consegue lutar com terceira pessoa do plural. É preciso ajuda.

Já disseram uma vez para gritar “Fogo!” caso fosse atacada. Do contrário, ninguém sairia para ajudar. Um imóvel vale mais que uma vida?
A justificativa: eu não quero me envolver. Cada um com seus problemas.

Enquanto eles, pedras humanas que interceptam o caminho daqueles que tentam chegar em casa após o sol fechar os olhos e encerrar o expediente, trabalham em terceira pessoa, nós erramos a conjugação e trabalhamos individualmente, em primeira, não do plural, mas do singular.

Eu gosto de olhares. Gosto de olhar o outro e construir pontes – não de concreto ou passíveis de incendiar, mas daquelas que fogo nenhum destrói. Sendo assim, torço para chegar o dia em que não será preciso alarmar um incêndio para receber ajuda. E mais: não será preciso mendigar uma mão para soldar os cacos de dignidade espalhados pelo terreno baldio escolhido como berço de mais um estupro – seja em Bauru ou qualquer outra cidade. 

Quantas outras “elas” serão arrastadas deixando rastro de sujeira moral para que estas pedras sejam retiradas do caminho?

No final de semana, o posto de terceira pessoa do singular foi ocupado por uma jovem de Bauru, 17 anos - nos próximos dias não se sabe quem irá tomar o seu lugar. “Você”, pronome de tratamento que tem uso verbal restrito a segunda pessoa, pode transformar-se em primeira e fazer de tal situação um relato pessoal.

Não quero caminhar com grilhões de medo nos pés - mas, me pergunto, quem é que tem a chave para abri-los e nos libertar dessa angústia de caminhar só em ruas que, teoricamente, levariam até a segurança do lar?

Meu desejo não é lá tão impossível. Afinal, eu só quero o caminhar leve com a certeza de que as barreiras humanas, que insistem em obstruir nossos caminhos, foram destruídas por completo.



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