Na entrevista de trabalho, perguntaram se ela tinha
tatuagem.
Ela, meio acuada pelo olhar ineroxável do entrevistador,
desviou do assunto. Diante da bifurcação entre dizer a verdade e erguer um
cartaz enfatizando qualidades, rumou pela segunda estrada – mas a pilha de
certificados não bastou para cobrir a tinta que infiltrara em seu corpo para
sempre.
No primeiro encontro, ele perguntou se ela tinha tatuagem.
Ela, meio alterada pelas garrafas vazias acumuladas no
balcão de alumínio que refletia seus olhos já vermelhos, desviou do assunto.
Ele foi logo dizendo que era conservador e que gostava de
mulheres delicadas – tatuagem era coisa agressiva. Tatuagem não combina com
mulher.
Ela tentou, mais uma vez, gritar suas qualidades até ficar
rouca – mas enorme emaranhado de fios que desenrolavam em bom papo não bastou
para cobrir a tinta que gravara em seu corpo uma história particular.
No almoço de domingo, eles perguntaram se ela tinha
tatuagem.
Ela, já inundada de preconceito, não desviou do assunto – tinha
tatuagens. No plural.
Fez questão de sentir o calor dos raios de sol chegando até
seus desenhos eternos quando, ao erguer a blusa, refletiu todos eles nos
olhares daqueles que teimavam em fechar os olhos para a beleza ali presente.
Para ela, nada combina tão bem quanto um bocado de tinta e a
pele de uma mulher. Ela gosta mesmo é de tinta – no papel, nas paredes urbanas
grafitadas, nos livros, nos poemas apaixonados escritos em guardanapos e no
corpo da mulher.
Deitada embaixo de agulhas que coloriam a terceira extensão
da sua personalidade cravada na epiderme, ela engoliu todas as críticas que,
desde o primeiro desenho, manteve presa na garganta e soltou um grito silencioso
em forma de poesia na pele – grito pessoal fincado no corpo.
Ela não desviou mais do assunto quando é questionada sobre
ter tatuagem. Hoje ela desvia dos preconceituosos e segue caminho em direção
daqueles que enxergam a beleza feita de tinta – aqueles para os quais ela não
precisa gritar qualidades para esconder seus desenhos, mas que mantêm os olhos
abertos para vê-los brilhar livres de tampões.
Eu sou ela. Com duas tatuagens e espaço de sobra para muitas
outras.
E ela pode ser tantas.
Tatuagem não é coisa de mulher. É coisa de mulher, homem - coisa de
gente.
Gente que sente e sente tanto que transborda para além da
superfície do corpo, despejando tinta preta e colorida como rastro daquilo que
já viveu ou que quer viver.
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