quinta-feira, 14 de agosto de 2014

As aparências enganam - era o que cantarolavam por aí aos sete mares

Sempre ouvi que as aparências enganam, mas resolvi sondar-lhe o íntimo. Achar lá dentro delas coisa superior às que eram ditas em farrapos de ideias soltos e, ao mesmo tempo, unidos de boca em boca.

As aparências, pobrezinhas, são apenas nosso exterior e, após anos de busca, não consegui encontrar provas concretas de que elas desejam nos enganar - na descida ao subsolo do homem, de olhos muito abertos para examinar cuidadosamente cada degrau em busca de uma evidência, cheguei ao fundo de mãos vazias.

Se somos enganados e as aparências não objetivam tal trapaça, quem pode ser considerado o culpado das nossas frustrações senão nós mesmos?  Difícil desenovelar tais incongruências.

Aparências não enganam, nós é que insistimos em depositar no outro tudo aquilo que idealizamos.

Olhamos a fachada, cerquinha branca e jardim florido.
Somos convidados a entrar, abre-se a porta da sala de estar e enxergamos os bibelôs e a decoração impecável – mas é no subsolo que se encontra toda a sujeira.
Camada após camada, chega-se à pele tal como ela é.

Insistimos em permanecer no térreo, arrumando as almofadas da maneira como mais nos agrada. Fantasiamos um cenário – persiste essa mania terrível de moldar o outro ao nosso olhar.
Enquadrar personalidades de acordo com perspectivas singulares é, no mínimo, enfaixar os olhos e permanecer na escuridão.

Por fora, aparentemente, todos são aquilos que nossos olhos querem ver.
Precisamos viver no inferno, mergulhar nos subterrâneos para conhecer quem o outro realmente é. Precisamos descer as escadas do térreo para avaliar ações que não poderíamos entender aqui em cima.

O subsolo tem poeira, ar denso difícil de respirar – é preciso coragem para enxergar a sujeira do outro. Coragem para arrastar os móveis, empilhar caixas antigas e limpar o cômodo – só deixar o que significa. Deixar o que cresceu, conservou.
Poucos tem coragem, mas quem a tem conhece a sensação única de vislumbrar de forma nítida o verdadeiro “eu” daquele que nos é apresentado pela vida.

Nosso olhar, treinado para ver apenas o que lhe convém, torna-se perspcaz após a faxina. O olhar perspcaz, coisa sempre rara, vê o que passa despercebido à maioria desatenta – vê o que o outro tem de pior.
É sempre entranhado no pior que se encontra o mais bonito – no meio do caos da sujeita, um ouvido fino captará acordes que não afetam ouvidos distraídos.

Chegar ao subsolo do outro, afastar a cortina fuliginosa, perder-se nas minúcias e, ainda assim, persistir em ficar e ajudar na arrumação do cômodo para depois usufruir junto do conseguido: isso é amor.

Portanto, chega de taxar as aparências de mentirosas.

Elas podem trapacear às vezes, mas, quase sempre, somos nós mesmos que empurramos o lixo para baixo do tapete e criamos uma imagem surreal dos que nos rodeiam.

Ninguém nasceu para agradar nossas idealizações – que saibamos conviver com o outro tal como ele é e deixemos as aparências em paz cumprindo sua única função: mostrar o exterior superficial como convite para mergulharmos no infinito em que o outro finca suas raízes.

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