quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Nós, inteiros que somos, não aceitamos metades

23h05, ela chega e pede uma daquelas bebidas coloridas.
O garçom pergunta se está esperando alguém, ela sorri e balança a cabeça numa negativa sem pesar.
23h36 e no copo só resta o som de vazio subindo pelo canudo.
23h50, já dentro do carro, aperta o play naquele CD gasto do The Doors, “Touch me” é a primeira música.

É no caminho de volta para casa, vento no rosto, que ela sente a liberdade do quase-voar, quase-flutuar. Caminhar centímetros acima do chão.
Chega em casa e não tem ninguém para abrir a porta – ela mesma gira a maçaneta, a chave daquele interior é só dela e, ainda assim, ao entrar, não há vazio algum.
Ela sente medo daqueles que, por dormirem esparramados na cama de um só, dizem ter coração vazio. Apesar de ter apenas uma cadeira ocupada na hora do jantar, o coração que bate transborda para além dela mesma.

A descoberta de que o coração nasce por inteiro e, na vida, só nos resta encontrar alguém para deixá-lo mais bonito, causa medo.
Medo que golpeia homens e mulheres que encontram corações completos no meio do caminho.

Ela não entendia porque ninguém aparecia para abrir a porta quando chegasse e, então, entendeu que a maioria das pessoas prefere a ilusão de um coração vazio a aceitar que o outro já é inteiro.
A música era “End of The Road”, Eddie Vedder concordava com ela.

“I won't be the last
I won't be the first
Find a way to where the sky meets the Earth.”

Seu céu encontrou a Terra quando sentiu o peito estufar ao pensar em tudo que guardava no coração. Era tanto que não sobrava espaço para o vazio.
Tirou os fones de ouvido e, junto deles, a pressão de não ter com quem dividir a metade daquele pingente que viu na vitrine do shopping dias atrás. 

Medo - essa neblina que nos impede de enxergar as maravilhas de não ter a obrigação de completar o outro.
Estar ali para unir dois inteiros, não duas metades.
Medo de não ser necessário, de não se precisar da presença, do afeto, do toque.
Medo de que o outro ande com seus próprios passos e nos esqueça no caminho.

Perdem os que tem medo de quem sabe-se completo.
Perde a chance de viver uma vida sem medo – estar junto pelo simples fato de estar.


Ela, que caminhou até o quase-fim da estrada para fazer a descoberta, percebeu que o fim era seu começo – agora só ia abrir a porta da sua casa quem não tivesse medo de plenitude.

Nenhum comentário:

Postar um comentário