segunda-feira, 5 de outubro de 2015

O acordar do domingo



No domingo, o acordar é maravilhoso. Natural. Os olhos abrem quando sentem vontade. Os ouvidos folgam do despertador. O sol esconde-se por entre as nuvens, respeitando o descanso merecido. No acordar de domingo, sentimos o gosto da liberdade. As pernas esticam e encolhem quantas vezes forem necessárias para causar o tédio e nos fazer levantar. Enroscam-se nas pernas do outro, convencendo-o a ficar por mais dez minutos. Ou algumas horas.

O acordar de domingo é nossa chance de escolha tão desejada. A eficiência da cafeína torna-se questionável. Os limites da manhã são esticados até um almoço tardio, sem correr o risco de estourar ao esbarrar em prazos que atropelam o passar do dia.

No acordar de domingo, permitimo-nos rejeitar o tempo. É nesse momento precioso que velar o sono do outro deixa de ser nada e torna-se tudo – a coisa mais importante para a qual destinamos toda a nossa atenção. Ao permanecermos de olhos semicerrados, não queremos nos sentir úteis. O acordar de domingo nos livra da culpa de ignorarmos a utilidade de nossas ações, que nos persegue insistentemente ao longo da semana.
Transpassando a cortina de linho branco, a claridade cria uma redoma suspensa. No acordar de domingo, as obrigações são deixadas do lado de fora. Despimo-nos do nosso papel social para ser somente essência.

O acordar do domingo é sentir cada fio do lençol. Compartilhar a preguiça com o outro ou consigo mesmo. Dividir a vontade de estar ali. É sentir o silêncio de um dia sem a competitividade de cumprir as metas no trabalho. Um ritual de restauração de paz interior. Um resquício da possibilidade de sermos apenas humanos.

É o momento que corre na direção contrária do mundo e resiste à nossa vontade de preencher o tempo, apesar daqueles que, de tanto conviverem com a culpa, preferem revesti-lo de utilidade.
O acordar do domingo é lacuna, espaço para que nossas vontades reprimidas pelos afazeres cotidianos criem asas e possam voar, ainda que na imaginação estimulada pelo olhar fixo no teto do quarto.

O acordar de domingo é negação.

Não importa o quanto o mundo peça de nós, ao abrirmos os olhos no domingo negamos toda essa loucura que desgastam nossos ombros durante o resto semana.

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