Pearl
Jam tem uma das músicas mais lindas do mundo. Talvez ela goste tanto de Sirens
quanto daquele vinho barato que entope as prateleiras do supermercado, ou
prefira os dois juntos – perfeita sintonia. É claro que mantem isso em segredo.
Um fato trancafiado na caixa das coisas que só são reais se aliadas à solidão.
Ela
também gosta de ouvir Stone Temple Pilots enquanto corre, apesar de achar as
canções um tanto quanto desconexas demais. Interstate Love Song combina com seu
suor. Talvez porque compartilhe o sentimento de que, naquele momento, respirar
é, de fato, a coisa mais difícil a ser feita.
Outro
dia, encontrou, perdido no porta-luvas do carro, um CD antigo e riscado pelo
tempo. Daqueles que a gente grava em uma tarde ociosa e esquece de nomear com a
caneta azul de ponta grossa. Era Radiohead. A primeira música, Karma Police,
fez com que ela lembrasse do quanto gostava da banda em 2006. Talvez outras
tenham ocupado o lugar de preferidas. Mas a memória daquele piano ainda estava
ali.
Naquela
caixa de segredos onde se encontra o gosto pela mistura entre Pearl Jam e vinho
barato, ela esconde também todos os CDs do Coldplay, ainda que resista a
admitir sua paixão pela banda quando é questionada sobre The Scientist.
Tem
muitas coisas que deixamos encarceradas no lugar onde ninguém vê. O problema,
ou solução, são as frestas encontradas pelos olhares mais atentos. Ela imagina
que ninguém saiba sua coreografia quando, enquanto dirige, o modo aleatório lhe
presenteia com Bittersweet Symphony, mas nas entrelinhas de uma conversa
despretensiosa, sempre deixa escapar algum passo do começo ou do final da
canção.
O
segredo não está em descobrir a combinação que abre o fecho dos seus mistérios
particulares. Está nas entrelinhas. Na atenção enquanto ela fala sem parar,
agitando as mãos para todos os lados.
São
os momentos de descuido que te farão saber quais são, realmente, as suas cinco
bandas preferidas. Não aquelas que ela teve tempo de pesquisar e saber que são
aceitas pela maioria, mas sim as cinco que, em alguns momentos, lhe causam
vergonha, mas ainda assim fazem seu coração e alma inflarem.
Não
é com perguntas objetivas e bem formuladas que se descobre qual o seu vinho
preferido. É em uma ida ao supermercado à meia-noite. Perdida entre
prateleiras, ela, de repente, vai encher os olhos e apontar uma garrafa
qualquer. É esse.
Você
não vai saber qual livro lhe faz ter vontade de acordar no domingo de manhã
para terminar o capítulo do dia anterior enquanto não dormir ao lado dela. Não
adianta entregar-lhe um formulário na mesa do bar e pedir-lhe suas citações
favoritas. É enquanto você dorme que ela dá um jeito de se esgueirar pela
beirada da cama e, silenciosamente, abrir na página marcada. Ao abrir os olhos,
a resposta estará ali. Um momento de descuido e ela revela o seu segredo.
Pessoas
convivem por anos e não conseguem descobrir que o outro prefere comer primeiro
a sobremesa. Anos de amizade, namoro, casamento e o outro não percebe que
aquela dobradura feita no guardanapo, enquanto esperam o prato principal chegar
à mesa, é um pássaro que demonstra o quanto a companheira ou o companheiro
deseja voar.
No
final, o resultado não bate com os números que compõem a soma: muitos anos e
pouca intimidade. Afinal, intimidade não é só ter liberdade para brincar,
conversar ou inventar um apelido que irrite o outro e, ainda assim, não o
magoe. Intimidade é interpretar as entrelinhas. Saber as cinco bandas, o vinho
barato, o livro de domingo de manhã e até o que significa os rabiscos em um
guardanapo qualquer.
Tem
gente que passa a maior parte da vida ao lado de um alguém que nunca enxergou
por inteiro. Nunca descobriu que, em um lugar onde quase ninguém vê, tinha ainda
tanta coisa para desvendar.
Entrelinhas,
é preciso atentar-se às entrelinhas.
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