quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Quantas pessoas deixamos de conhecer por inteiro pelo medo de mergulhar?



Pearl Jam tem uma das músicas mais lindas do mundo. Talvez ela goste tanto de Sirens quanto daquele vinho barato que entope as prateleiras do supermercado, ou prefira os dois juntos – perfeita sintonia. É claro que mantem isso em segredo. Um fato trancafiado na caixa das coisas que só são reais se aliadas à solidão.
Ela também gosta de ouvir Stone Temple Pilots enquanto corre, apesar de achar as canções um tanto quanto desconexas demais. Interstate Love Song combina com seu suor. Talvez porque compartilhe o sentimento de que, naquele momento, respirar é, de fato, a coisa mais difícil a ser feita.
Outro dia, encontrou, perdido no porta-luvas do carro, um CD antigo e riscado pelo tempo. Daqueles que a gente grava em uma tarde ociosa e esquece de nomear com a caneta azul de ponta grossa. Era Radiohead. A primeira música, Karma Police, fez com que ela lembrasse do quanto gostava da banda em 2006. Talvez outras tenham ocupado o lugar de preferidas. Mas a memória daquele piano ainda estava ali.
Naquela caixa de segredos onde se encontra o gosto pela mistura entre Pearl Jam e vinho barato, ela esconde também todos os CDs do Coldplay, ainda que resista a admitir sua paixão pela banda quando é questionada sobre The Scientist.


Tem muitas coisas que deixamos encarceradas no lugar onde ninguém vê. O problema, ou solução, são as frestas encontradas pelos olhares mais atentos. Ela imagina que ninguém saiba sua coreografia quando, enquanto dirige, o modo aleatório lhe presenteia com Bittersweet Symphony, mas nas entrelinhas de uma conversa despretensiosa, sempre deixa escapar algum passo do começo ou do final da canção.

O segredo não está em descobrir a combinação que abre o fecho dos seus mistérios particulares. Está nas entrelinhas. Na atenção enquanto ela fala sem parar, agitando as mãos para todos os lados.
São os momentos de descuido que te farão saber quais são, realmente, as suas cinco bandas preferidas. Não aquelas que ela teve tempo de pesquisar e saber que são aceitas pela maioria, mas sim as cinco que, em alguns momentos, lhe causam vergonha, mas ainda assim fazem seu coração e alma inflarem.
Não é com perguntas objetivas e bem formuladas que se descobre qual o seu vinho preferido. É em uma ida ao supermercado à meia-noite. Perdida entre prateleiras, ela, de repente, vai encher os olhos e apontar uma garrafa qualquer. É esse.

Você não vai saber qual livro lhe faz ter vontade de acordar no domingo de manhã para terminar o capítulo do dia anterior enquanto não dormir ao lado dela. Não adianta entregar-lhe um formulário na mesa do bar e pedir-lhe suas citações favoritas. É enquanto você dorme que ela dá um jeito de se esgueirar pela beirada da cama e, silenciosamente, abrir na página marcada. Ao abrir os olhos, a resposta estará ali. Um momento de descuido e ela revela o seu segredo.

Pessoas convivem por anos e não conseguem descobrir que o outro prefere comer primeiro a sobremesa. Anos de amizade, namoro, casamento e o outro não percebe que aquela dobradura feita no guardanapo, enquanto esperam o prato principal chegar à mesa, é um pássaro que demonstra o quanto a companheira ou o companheiro deseja voar.

No final, o resultado não bate com os números que compõem a soma: muitos anos e pouca intimidade. Afinal, intimidade não é só ter liberdade para brincar, conversar ou inventar um apelido que irrite o outro e, ainda assim, não o magoe. Intimidade é interpretar as entrelinhas. Saber as cinco bandas, o vinho barato, o livro de domingo de manhã e até o que significa os rabiscos em um guardanapo qualquer.

Tem gente que passa a maior parte da vida ao lado de um alguém que nunca enxergou por inteiro. Nunca descobriu que, em um lugar onde quase ninguém vê, tinha ainda tanta coisa para desvendar.


Entrelinhas, é preciso atentar-se às entrelinhas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário