Calma, professor, hoje o som é de aplauso, não de bomba. Eu sei que você está acostumado a levar porrada dentro e fora da sala de aula, mas não precisa se assustar. Os gritos não são para te desqualificar, são para agradecer. Não precisa arregalar os olhos de espanto. Hoje é dia de festa, professor. O clima não anda bom, concordo. Mas é hoje que todos lembram da sua importância. Não quer aproveitar e sentir o gosto de ser valorizado?
Calma,
professor, eu sei que, quando colocou para fora o desejo de enfrentar uma sala
de aula, seus pais fizeram cara feia. Disseram que essa carreira estava falida.
É, professor, pior que encarar um punhado de alunos bagunceiros, é bater de
frente com adultos descrentes da educação. Mas você é corajoso, vão dizer. Hoje
vai até ganhar presente! Meia dúzia de agradecimentos e uma flor, que logo
murchará e trará de volta a realidade que nos fizeram engolir.
Talvez
tenham lhe dado um dia no ano para que você consiga respirar. Porque,
professor, é sufocante assistir à sua luta. Aliás, como é que você consegue
acordar todos os dias com energia para ministrar aulas aos alunos do
fundamental e médio que dizem estudar para não ter que acabar como você, dentro
de uma sala de aula? Eles sentem pena de você, professor. Apontam as licenciaturas
como cursos fáceis. Curso superior de gente que não quer se esforçar o bastante
para passar em Medicina.
Dá
raiva, né, professor? Quando dizem que ser como você é lamentável. Deus me
livre um salário como o seu! Abrir mão de carros de luxos e viagens
internacionais pela educação é coisa de gente louca, né, professor?
Acho
melhor também não assistir aos telejornais e não gastar o pouco que ganha
comprando notícias nas bancas, professor. As manchetes vão embrulhar seu
estômago. A foto do Alckmin estampada na primeira página de São Paulo e do Beto
Richa no Paraná vão te fazer lembrar de que o giz não é páreo para o gás
lacrimogêneo. Vão te fazer sentir o gosto de cola que lhe impede de gritar por
seus direitos. É, professor, o governo não se importa com você. No máximo, uma
singela homenagem no dia 15 para te fazer calar a boca e esquecer,
momentaneamente, dos problemas.
Eu
sei, professor Homenagem de um dia não serve para te fazer esquecer das
barbáries que não dão trégua. Só você sabe o que é encarar uma classe abarrotada
e ter que aceitar mais algumas dezenas de alunos para completar os quadrados de
azulejo descascados que ainda estão livres. Mas o Alckmin disse que essa
reorganização do ensino da rede estadual é coisa boa. Você reclama de barriga
cheia, professor! Olha as caixas de giz que chegaram hoje para você.
É,
professor, você tem coração mole. Essas flores e presentes de hoje vão lhe
fazer esquecer dos inúmeros descontos absurdos do holerite. Mas não amoleça,
professor. Lembre-se de todas as vezes que disseram que dar aula não era motivo
de orgulho. Faça questão de não digerir o descaso para com sua profissão. Não
caia na armadilha de um dia só, professor. Eu sei que as cartinhas virão aos
montes para completar a coleção do ano passado, mas não se contente com isso.
Guarde o afeto dos pais e alunos que lhe valorizam, mas não baixe a guarda.
Nunca
perca a fé na educação, professor. Eu sei que é difícil. Mas você não está
sozinho. Ainda tem gente que te admira todos os dias do ano, professor. Não
precisa ficar surpreso! Você conseguiu transformar muita alma e coração com o
seu amor pelo ensino e, ainda que tímida, a admiração é bem mais satisfatória
que o seu salário, pode acreditar, professor.
Cuspa
na cara do governo com educação, professor. Mostre que, mesmo sem os recursos
necessários, ninguém é páreo para aquele que escolheu transformar o mundo.
Remendar as desigualdades. Cultivar a autonomia. Cuidar dos filhos de todos. Você
é guerreiro, professor. Acorde todos os dias e tenha orgulho de quantas mentes
engaioladas libertou. Continue lutando com suas armas, professor. Elas são
poderosíssimas e, de pouco em pouco, vencerão.
Um
dia no ano não é suficiente para você, professor, ainda que lhe empurrem uma
homenagem sem glórias pela garganta. A coroa de louros ainda está por vir. Pode
acreditar, professor.
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