quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Calma, professor



Calma, professor, hoje o som é de aplauso, não de bomba. Eu sei que você está acostumado a levar porrada dentro e fora da sala de aula, mas não precisa se assustar. Os gritos não são para te desqualificar, são para agradecer. Não precisa arregalar os olhos de espanto. Hoje é dia de festa, professor. O clima não anda bom, concordo. Mas é hoje que todos lembram da sua importância. Não quer aproveitar e sentir o gosto de ser valorizado?


Calma, professor, eu sei que, quando colocou para fora o desejo de enfrentar uma sala de aula, seus pais fizeram cara feia. Disseram que essa carreira estava falida. É, professor, pior que encarar um punhado de alunos bagunceiros, é bater de frente com adultos descrentes da educação. Mas você é corajoso, vão dizer. Hoje vai até ganhar presente! Meia dúzia de agradecimentos e uma flor, que logo murchará e trará de volta a realidade que nos fizeram engolir.

Talvez tenham lhe dado um dia no ano para que você consiga respirar. Porque, professor, é sufocante assistir à sua luta. Aliás, como é que você consegue acordar todos os dias com energia para ministrar aulas aos alunos do fundamental e médio que dizem estudar para não ter que acabar como você, dentro de uma sala de aula? Eles sentem pena de você, professor. Apontam as licenciaturas como cursos fáceis. Curso superior de gente que não quer se esforçar o bastante para passar em Medicina.
Dá raiva, né, professor? Quando dizem que ser como você é lamentável. Deus me livre um salário como o seu! Abrir mão de carros de luxos e viagens internacionais pela educação é coisa de gente louca, né, professor?

Acho melhor também não assistir aos telejornais e não gastar o pouco que ganha comprando notícias nas bancas, professor. As manchetes vão embrulhar seu estômago. A foto do Alckmin estampada na primeira página de São Paulo e do Beto Richa no Paraná vão te fazer lembrar de que o giz não é páreo para o gás lacrimogêneo. Vão te fazer sentir o gosto de cola que lhe impede de gritar por seus direitos. É, professor, o governo não se importa com você. No máximo, uma singela homenagem no dia 15 para te fazer calar a boca e esquecer, momentaneamente, dos problemas.

Eu sei, professor Homenagem de um dia não serve para te fazer esquecer das barbáries que não dão trégua. Só você sabe o que é encarar uma classe abarrotada e ter que aceitar mais algumas dezenas de alunos para completar os quadrados de azulejo descascados que ainda estão livres. Mas o Alckmin disse que essa reorganização do ensino da rede estadual é coisa boa. Você reclama de barriga cheia, professor! Olha as caixas de giz que chegaram hoje para você.

É, professor, você tem coração mole. Essas flores e presentes de hoje vão lhe fazer esquecer dos inúmeros descontos absurdos do holerite. Mas não amoleça, professor. Lembre-se de todas as vezes que disseram que dar aula não era motivo de orgulho. Faça questão de não digerir o descaso para com sua profissão. Não caia na armadilha de um dia só, professor. Eu sei que as cartinhas virão aos montes para completar a coleção do ano passado, mas não se contente com isso. Guarde o afeto dos pais e alunos que lhe valorizam, mas não baixe a guarda.
Nunca perca a fé na educação, professor. Eu sei que é difícil. Mas você não está sozinho. Ainda tem gente que te admira todos os dias do ano, professor. Não precisa ficar surpreso! Você conseguiu transformar muita alma e coração com o seu amor pelo ensino e, ainda que tímida, a admiração é bem mais satisfatória que o seu salário, pode acreditar, professor.

Cuspa na cara do governo com educação, professor. Mostre que, mesmo sem os recursos necessários, ninguém é páreo para aquele que escolheu transformar o mundo. Remendar as desigualdades. Cultivar a autonomia. Cuidar dos filhos de todos. Você é guerreiro, professor. Acorde todos os dias e tenha orgulho de quantas mentes engaioladas libertou. Continue lutando com suas armas, professor. Elas são poderosíssimas e, de pouco em pouco, vencerão.


Um dia no ano não é suficiente para você, professor, ainda que lhe empurrem uma homenagem sem glórias pela garganta. A coroa de louros ainda está por vir. Pode acreditar, professor.

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