segunda-feira, 7 de março de 2016

A solidão das mulheres incomoda



Duas jovens argentinas foram assassinadas no Equador. Viajavam sozinhas. Estavam vulneráveis, disseram. Faltava-lhes alguma coisa. Mas faltava-lhes o que? 
Com 18 anos, decidi morar sozinha. Ouvi, incontáveis vezes, sobre os perigos de estar só. O medo do trajeto solitário do ponto de ônibus até a portaria do meu apartamento era reflexo do medo de ser mulher. Como é que pode uma menina de 18 anos morando sozinha? Faltava-me algo, diziam eles. Mas faltava-me o que? 

Minha solidão precoce era tóxica à sociedade. Uma erva daninha que poderia causar estragos aos jardins do machismo. Depois de tanta imposição, fechei as portas do meu singular e aceitei a exigência de viver no plural. 



O problema, entretanto, espalhava-se. A solidão feminina não é aceitável em momento algum. Não ande sozinha pelas ruas. Não dirija sozinha à noite. Não vá ao banco sozinha. Não pegue ônibus sozinha. Não vá ao mecânico sozinha. Não trabalhe no período noturno. Não viva sozinha. 
Obrigaram-nos a acreditar que nossa solidão é a grande culpada pelas atrocidades que compõem as manchetes dos jornais, como o assassinato de Maria e Marina no Equador. 

Anos depois, persisti. Com quase 24, consegui as chaves do meu próprio espaço, mais uma vez. Junto delas, o medo de caminhar com minhas próprias pernas instalou-se em um canto qualquer. Não é indicado uma mulher ficar sozinha naquele apartamento à noite, disseram. Falta-me algo. Mas falta-me o que? A resposta não demorou a chegar. Mulher, quando escolhe a solidão, procura, disseram. E procura o que, pergunto, além da liberdade de viver consigo mesma? 
Falta-nos a presença masculina, vão dizer. Um homem para servir de escudo àquelas que desejam voar longe e conhecer a América Latina. Um homem para impedir uma abordagem violenta enquanto caminho do ponto de ônibus à minha casa. Uma figura masculina que me proteja de seus semelhantes e não me deixe estar só, porque a solidão feminina incomoda - e muito.
O medo de que, a sós, o autoconhecimento nos faça descobrir que somos suficientes a nós mesmas, aterroriza a sociedade machista. Afinal, se cairmos na real e percebermos que nossa solidão não é a grande vilã e que somos livres para usar e abusar de nossa autonomia, em qual conta poríamos a verdadeira culpa da violência de gênero que nos sufoca dia após dia?

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