sexta-feira, 25 de março de 2016

O ódio ao próximo



Fala-se muito de amor ao próximo, de ódio, pouco. Odiar é coisa censurada. Não faz bem aos olhos do outro. São nos momentos de estresse e pressão que, como bomba relógio, explodimos e machucamos com nossos estilhaços raivosos aqueles que estão nas proximidades. No interior de nossa ambivalência, ódio e amor não se excluem, convivem - e isso me amedronta. Somos capazes de amar e odiar na mesma intensidade. 
Dia desses, enquanto dirigia no centro da cidade, senti o ódio derramado por olhos e bocas. Dois irmãos pequenos discutiam em um ponto de ônibus. Disseram que se odiavam e a mãe deu-lhes um beliscão. Os companheiros de espera mostraram-se assustados. Onde já se viu odiar o próprio irmão? Quando o ódio brota no peito do outro, ficamos incrédulos e jogamos terra sobre o canteiro de ira que cultivamos dentro de nós. 
Diante do cenário político e econômico dos últimos dias, instalou-se uma inflamação crônica. Inflamação, como bem diz minha avó, que não é médica de saberes, mas cura a alma, é afogueamento. Uma farpa que decide morar no vão dos dedos. Lesiona. Esquenta. Avermelha. Incomoda até fazer transbordar nossa irritação. O ódio é aquele punhado de pus amarelo que escorre quando a pele já não mais suporta a farpa. Sentimento que, como a secreção, é mecanismo de defesa que ninguém gosta de enxergar em si mesmo.

Inflamados como estamos, haja pus para nos defender dessas farpas invasoras que abalam o nosso querer. Ideologias que nos fazem engolir goela abaixo. Decisões que nos deixam de mãos atadas. A ausência de uma oposição política que, como anti-inflamatório, cicatrize a ferida. Feito líquido malcheiroso, o nosso ódio flui pelas palavras, ações e pensamentos. Tentamos, desesperadamente, encontrar argumentos que sirvam de curativos e impeçam que os outros vejam como estamos contaminados. 
Tenho medo. E não é medo da Dilma, do Lula, do Aécio e dos coadjuvantes da política brasileira. Não é medo da crise. Tenho medo do ódio que somos capazes de sentir e que, em tempos comuns, é mantido nos limites da cerca da boa convivência. Durante a última semana, emudeci. Assisti à censura do ódio ao próximo ser derrubada. Talvez, a briga daqueles dois pequenos irmãos, daqui alguns dias, não nos assuste como antes. A secreção de cólera abundante que corre em nossas veias pode nos tornar imunes. Possivelmente, pouco a pouco, cuidaremos do canteiro do ódio com a mesma intensidade que cuidamos do canteiro do amor. E falaremos com a maior naturalidade: já odiou o próximo hoje? 
Nos últimos dias, odiamos com furor. Esprememos o pus da ferida sem hesitar. Precisamos ter, com urgência, medo da sepse consequente do nosso ódio, que pode nos matar por dentro. E eu pergunto: vale a pena morrer por isso?

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