sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Abraço de Carnaval


O trânsito de Bauru é um caos. Emaranhado de estresse, calor e desordem. Pressa de não sei o que para não sei onde. De dentro do carro, a impressão de que o asfalto dilui-se sob o sol escaldante. Os olhos não param abertos e tremulam, tentando buscar um oásis de sombras em meio ao deserto de pedra. As mãos já vermelhas de segurar o volante cálido, queixam-se. Como partículas microscópicas, as pessoas, quando submetidas ao calor, mostram-se inquietas. 
O verde, amarelo e vermelho do semáforo completam dois ciclos e o acelerador continua intacto. Na ânsia pela busca de paz, quero adiantar o relógio. Reparo, de repente, que, durante o tempo que estive ali, não olhei ao redor. Passamos, às vezes, uma vida toda esperando por algo ou alguém sem olhar à nossa volta - parado no trânsito ou na dinâmica de nossas rotinas. Forço, então, a vista e a obrigo a lidar com a claridade. 



Na próxima esquina, um abraço. Um desabafo do corpo. Choro em forma de tato, riso do toque, sinceridade do alívio. Uma senhora de cabelos desbotados embrulha com seus braços manchados outra tão mais nova. Beija-lhe a testa e, nessa troca, brilham mais que o próprio sol, o qual, tímido pelo espetáculo, esconde-se atrás de uma nuvem e deixa de incomodar. 
A placa do carro de onde saiu a jovem recém-chegada é de outro estado. Mato Grosso do Sul. Naquele abraço, apertaram-se uma contra a outra, como quem diminui o barbante tencionado da distância com própria força. 

Deve ser o feriado de Carnaval o responsável pelo caos. Eu, que não gosto da folia, culpei o evento de imediato. O calor voltou com tudo. Enquanto derretia por fora, olhei no retrovisor e encarei a esquina que já ficara para trás. Elas derretiam por dentro - riam e andavam de mãos dadas em direção ao carro. 
O som dos trios elétricos e os enredos de escolas de sambas silenciaram em meu inconsciente. Aquele abraço destruiu desconfortos. Rompeu o silêncio com som de paz. Vai ver, o caos é, de fato, culpa do Carnaval, mas em toda balbúrdia e confusão mora um pouco de paz. 

Olhei aquela fila de carros e, ora aqui, ora lá, uma placa de cidade ou estado distante. O caos não era de folia, mas de reencontro. Um rio de angústia que deságua em abraços como aquele da esquina. 
Tanta água evaporou, que choveu. O início de um temporal feito para acalmar nossos desassossegos e fazer fluir esse mar de gente.

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