domingo, 8 de maio de 2016

O dente do siso

Eu tenho os quatro dentes do siso. Todos já apontaram em seus respectivos lugares na gengiva. Estão intactos. Um deles, o do lado esquerdo, inflamou. Nos primeiros momentos, a dor, insuportável que é, fez nascer a ideia de extração. Eu teria que, finalmente, enfrentar o dentista e tirar dali o incômodo.
Sorrindo e caminhando em direção à dor, o medo a tirou para dançar. Evitei o telefone e não agendei um horário. Deixei o dente pulsar na boca. Senti a intensidade de sua presença a cada mastigada. A dor, de tanto rodar de mãos dadas com o medo, demonstrou cansaço. Saiu de cena. Retirou-se, cicatrizando a gengiva maltratada pelo dente pontiagudo. O medo a deixou tonta e criou em mim a ilusão de que aquela sensação dolorida nunca existira. Fiz as pazes com o siso e decidi que o deixaria enraizado, vizinho dos molares do lado esquerdo. 
Hoje, meses após a reconciliação, a dor acordou. Senti latejar no começo da manhã. Pensei que fosse coisa passageira. Ignorei. Perto do almoço, no entanto, a gengiva inchou. Não comi. Na angústia, pensei em pegar o telefone e tomar uma atitude. Hesitei. Esperei, mais uma vez, o medo dar as caras, impedindo-me de enfrentar, de uma vez por todas, a extração.
Enquanto convivo com a dor, que, de tempos em tempos, vem e vai, penso: quantos sisos deixamos nos incomodar e tornar os dias doloridos diante da ilusória sensação de alívio causada pelo medo?
O medo, esse senhor de ar autoritário, é mestre na arte da enganação. Camufla os desconfortos, fazendo-nos acreditar que o hiato entre uma inflamação e outra é mais satisfatório do que a paz permanente. Amarra-nos em nossas inseguranças e estorva, alimentando, no peito e na mente, a ideia de que não há nada de errado em permitir que a dor more em nós.
Chega o dia em que é preciso bater de frente. Fazer a dança de medo e de dor acontecer para fora dos portões. Do lado de fora, a frustração não é mais trilha sonora. Eles que rodopiem à vontade, enquanto desocupo espaços para a coragem e ligo para o dentista.
A extração é a despedida da dor. O último suspiro. Um buraco na gengiva feito para o alívio morar.


É preciso expulsar o medo para se desfazer da dor.

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