quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Dois tempos

Abri a janela pela manhã e não entrou raio de sol, senti sopro de vento úmido dos lábios escuros de um céu chuvoso. Depois de tanta seca, o sol decidiu descansar e estirar-se por entre as nuvens, conduzindo feixes tímidos sobre parapeitos de metal.
Quando eu era pequena, o tempo era mais organizado - tinha calor no verão, em Abril os casacos já começavam a sair do armário para dar uma arejada, aliás, eu podia usar casaco pesado no inverno. O frio seguia firme e forte, fazendo com que no meu aniversário, um dia depois das festas de São João, o cantar ao redor do bolo soltasse fumaça das bocas que me desejavam felicidades. O frio, persistente, só começava a dar trégua em Setembro.


O tempo virou uma incógnita - assim como todos os seus sinônimos.
Ficou confuso. Perdeu demarcações.

Da mesma janela é possível ver o céu desabar no final de uma terça-feira, para ficar cor de fogo no começo de uma quarta, querendo derreter toda a cidade.
Saí de casa com o asfalto seco, dois quarteirões à frente e já estava chovendo. Andei um quilômetro adiante e já tinha enxurrada forte, dois minutos e o sol brilhava de novo.

O tempo invejou as pessoas e decidiu também oscilar seu humor.

No elevador, alguém reclamava da chuva que estava por vir. Dizia que o tempo não poderia ser tão imprevisível - as mãos não podiam suportar o peso do guarda-chuva e do óculos de sol ao mesmo tempo. Dias atrás, alguém reclamava do calor e da falta d'água - cadê o meu banho?

Notei, durante o falar daquelas pessoas, que somos todos o tempo, afinal, o tempo é nosso lugar de ser. Queremos chuva e, num piscar de olhos, desejamos o sol - queremos e somos dois tempos.

Quando eu era pequena, o tempo era mais organizado - tinha sol quase todos os dias, a chuva só vinha depois de um encontro entre o joelho e o asfalto da esquina. Tempestades eram raras, raríssimas, e o céu clareava só de abrir a porta do quarto da mãe.
Quando eu era pequena, não exigia tanto do tempo - gostava das surpresas coloridas que transitavam entre o cinza e o azul.

Hoje o tempo virou uma bagunça - para mim e para todos aqueles que, assim como eu, tornaram-se exigentes e indecisos. O dia começa com chuva e termina ensolarado; ou é arrematado com uma enxurrada capaz de afogar o próprio sol.

Somos misto - chuva e sol num mesmo dia.

Crescemos e ficamos temerosos.
Queremos saber o que está por vir. Surpresas, hoje em dia, botam medo.
Molhar com a água da chuva deixou de ser prazer e tornou-se prévia de resfriado.
O imprevisto do tempo não faz mais os olhos brilharem, dilata a pupila e acelera os batimentos: afinal, hoje chove ou faz sol?

Continuamos a culpar o acaso do tempo pela nossa indecisão, sem perceber que o tempo de fora é reflexo do clima de dentro.

Nosso tempo oscila mais que as nuvens levadas pelo vento que traz chuva.

Hoje o céu acordou fechado, mas aqui dentro fez um sol danado; e se tem sol no interior, perto do coração, o pingo da chuva de fora deixa de incomodar. 

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