terça-feira, 21 de outubro de 2014

Confiança é encontro de fim de mundos no desconhecido

Ela nunca confiara em ninguém. 
Seus pés nunca despregaram do chão de pedra da mureta situada entre a terra firme da razão e o abismo do sentir. Nunca saltara rumo ao desconhecido, permanecia no meio-fio, meio termo que, cedo ou tarde, deveria tornar-se definição completa. 

Confiança é uma dessas coisas extraordinárias que não necessitam de compreensão. 
Não tem data marcada para sentar-se à mesa e compartilhar o jantar, metamorfoseando-se em amigo de peito aberto para ouvir seus medos e abrandar os temores vindos do coração.
Confiança é uma convidada imprevisível. Para alguns, é companheira desde o nascimento, mãos que não se separam; para outros, chegada inesperada e tardia. 


Para ela, a segunda cadeira na mesa de jantar permanecera vaga até então. 
Até que, numa dessas andanças equilibristas, chegara junto ao pôr-do-sol um par de olhos extravasando luz por entre suas íris, antecipando a chegada das estrelas noturnas que viriam após o deitar completo do astro acalorado. 

Seus pés vacilaram. 
Ela tombou o corpo em direção ao abismo, lembrando uma árvore prestes a cair, agarrada ao último esforço de sustentação de suas raízes. O brilho daquele par de olhos inspirou-lhe segurança, fazendo com que seu corpo seguisse cada vez mais em direção ao precipício sem contornos. 
O dono daquele brilho apertou as mãos suadas de medo - não existia lógica naquele erguer de pés, naquela vontade desgarrada de voar. 
Ela, abandonando a razão, disse a origem de todo sentimento também lhe era desconhecida, mas estendeu o convite. Ali tinha espaço de sobra para dois equilibristas. 
Ele afirmou que não podia viver por intuição. Ela questionou qual a diferença de morrer apenas pela razão. 

Dessa vez, foi o brilho dos olhos dela que refletiram nos dele - ela fechou-os, como uma pessoa que aceita o mistério. O corpo se preparou para tombar de uma altura descomunal. 
Soltou-se. 
Libertou-se das pedras da insegurança. 
Saltou. 
E, nesse momento, o fim do mundo dela tornou-se o fim do mundo dele - metaforizando, numa imagem de mãos agarrando com destreza outro par de similares, a manifestação da confiança. 

Entenderam, então, que confiança não é algo determinado - não se pode escolher quando conheceremos o sentimento. Ela chega quando tem que chegar e, quando surge, é sentida em plenitude, sem esforço, como algo que exala de forma natural por cada poro. 

Num movimento irracional guiado por escolhas inexplicáveis, dois mundos de insegurança deixaram de existir - o lampejo no olhar de ambos era ainda mais forte que o de qualquer uma das estrelas na escuridão acima deles.

Confiança é, de fato, um desses sentimentos fantásticos que não necessitam de compreensão. 
É o sentir quando menos se espera.
Encontro de fim de mundos no vazio do abismo desconhecido.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário