segunda-feira, 16 de abril de 2012

Pretérito mais-que-perfeito

Sentada na poltrona próxima à janela do ônibus, Clara observava o asfalto cinzento sob as rodas do veículo. A menina, com tranças no cabelo tão apertadas quanto seu coração, estava indo em direção a um futuro incerto.
Levava uma vida tranquila, adormecia dia após dia ao som do piano que ganhava vida graças às delicadas mãos de sua mãe e despertava sentindo a coloração aveludada do amanhecer, o qual penetrava por entre as falhas da cortina já maltratada pelo tempo.
A vida, enquanto vivida no presente, nunca é classificada como algo próximo à perfeição. Clara não pensava diferente, achava que o melhor da vida estava sempre guardado para depois, assim como aquela cobertura recheada de cerejas que constantemente deixamos para degustar ao final da refeição.
Clara, cheia de sonhos, continuava com um vazio ocupando o lugar do entusiasmo dentro do coração.
Sua casa, sempre com o clima ameno e leve, certo dia demonstrou estar doente.
Revestiu-se de chumbo, fechou todas as persianas, adquiriu um tom que transita entre o cinza, branco e preto, típico da tristeza e do abandono. Todos os sinais, sinal de extremo respeito ao seu dono. A casa perdeu seu guardião, enquanto a menina, preocupada em esperar pelo melhor, perdeu a oportunidade de perceber o que acontecia ao seu redor.
A família teve sua estrutura quebrada, assim como um edifício que desmorona. Estrutura frágil, sustentada por laços que tendem a propiciar liberdade. Os laços, desprovidos do brilho do cetim, são mantidos por atitudes humanas, as quais são impossíveis de prever.
O pai, usando sua ausência excessiva, desgastou o laço até rompê-lo permanentemente.
Clara, que antes observava o canteiro, do qual transbordavam tulipas vermelhas, abaixo do peitoral de sua janela, através daquela cortina que transmitia toda a segurança dos anos guardados em seu tecido delgado, hoje parte em busca do tão aclamado ''melhor para sua vida'', pelo qual tanto tempo esperou. Mas, sob seus olhos, o asfalto é desprovido de flores, monocromático, assim como o fundo de seus olhos vazios.
O Destino é um sujeito tão imprevisível quanto os pensamentos presentes no interior de uma mulher.
Clara, que buscava o futuro do presente, percebe que vivia no pretérito mais-que-perfeito.
A cobertura do bolo, se deixada no prato por muito tempo, derrete, assim como os anos derretem por entre os dedos concomitante a uma espera interminável.
O melhor é agora.

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