quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

O Término


Fitava a janela com olhos de outra época. Não fazia tanto tempo desde a última vez em que seus olhos encontraram aquele olhar castanho, mas o tempo é mesmo coisa relativa – parecia que uma vida toda havia se passado até então.

Os pensamentos diluíam como tinta num balde d’água – mistura de cores que dançam como véus no infinito translúcido.  O vermelho de um sorriso daquele dia que ela usava um vestido da mesma cor entrelaçava-se com o verde das mãos dele numa tarde de Janeiro sem prazo para acabar.

Todos os momentos foram traduzidos em cores que se desmancharam - uniram-se num clarão branco que cegou seus olhos. Como névoa que impede o passageiro de continuar, o branco preso em sua retina a impediu de avançar com as lembranças.
As cores desapareceram. O branco, união de todas elas, dispersou-se como o dar de mãos entre a sua e as daquele que protagonizavam as cenas de histórias que naufragavam num mar de outras tantas dentro de sua cabeça. Cansou de existir.

Apagou-se a luz. Escuridão.

Ausência de todas as cores – o preto tomou conta do cenário.

É no escuro que, por ironia, conseguimos enxergar como, após um tempo, qualquer fio sutil que une duas pessoas estica conforme a distância até o dia de dividir-se em dois mundos.  O fio, muitas vezes inflexível, faz um enorme esforço para se manter inteiro, mas a força, decomposta em lados opostos, ganha a batalha.

No final são pontas soltas, como serpentes buscando um novo começo – um novo ciclo, para se enrolar novamente e dar continuidade ao barbante que tece a vida.

Relacionamentos são palhetas prontas para receber as tintas coloridas que servirão a dois pincéis – pintura à duas mãos. No começo, somos capazes de pintar o arco-íris; cores separadas por tons. Sabemos exatamente distinguir nossos sentimentos, tanto quanto notamos a diferença entre amarelo e azul.
Com o tempo, os pincéis lutam para se pintar por inteiro - o vermelho das brigas, laranja do pôr-do-sol daquele dia de despedidas, azul dos céus das viagens. A palheta perde delimitações de cores e sentimentos e, na bagunça do dia-a-dia, as cores unem-se no branco que cega.

O término também é poesia – é rascunho que não teve acabamento. Palheta de cores que sujou com a fuligem das cores fortes.
É fio que se parte e, com pontas gastas, recompõe-se; como mãos que cicatrizam, não importa qual o tamanho da ferida.

As mãos logo arrumam outras mãos para lhes curar o machucado, o fio entrelaça com outros fios de pontas gastas.


Fim é questão de ponto de vista. Olhando daqui até parece um começo. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário