domingo, 16 de outubro de 2016

Conviver com crianças

Todos deveriam reservar alguns momentos para conviver com crianças. Guardar um tempo para uma boa conversa. Daquelas que exigem olhos nos olhos. Jogar-se ao chão para engrandecer-lhes. Crianças me ensinam muito! Ouso dizer: muito mais que doutores com os quais trombei pela trajetória da vida. 

Hoje, durante uma entrega rápida de livros, encontrei o Leonardo e aprendi que, felizmente, o preconceito não brota do cordão umbilical. 
Leonardo tem um irmão autista, mas, para ele, é apenas o Leandro. Leandro e Leonardo, como a dupla sertaneja, que, segundo ele, é a paixão musical da mãe. Leandro também é portador de deficiência física e, por isso, Leonardo é responsável por abrir seus caminhos, guiando-lhe atrás da cadeira de rodas. 

De trás do pilar, Leonardo me chamou e pediu um livro. Disse que não sabia ler direito, mas as figuras acalmavam Leandro. Perguntei se ele queria que eu lhe contasse uma história, mas cheguei tarde demais. A agenda já estava lotada. Leandro e Leonardo tinham compromisso. Iam soltar pipa com a turma do bairro. Quarta-feira era dia de pipa. 
Papo vai, papo vem, Leonardo disse que só tinha um problema para atrapalhar a brincadeira. Imaginando que seria o fato de ter que seguir empurrando a cadeira de rodas de Leandro e acalmando-lhe os ânimos devido ao autismo, olhei em direção ao caçula. Ele soltou um riso largo e me deu uma lição: 

- O Leandro? Não! O problema é que tem um menino, o Caique, que ficou sumido nas férias. O mês inteiro. Quando voltou, tinha quase o dobro de tamanho. Cresceu um monte, tia. Tá alto! Cê precisa ver. Desse jeito, vai empinar pipa muito melhor que "nóis tudo". 
Dei um abraço bem demorado nele. Quando agradeci, Leonardo ficou sem graça. Não entendera minha gratidão, afinal, fora ele quem recebera os livros. O que ele não sabe, é que ganhei presente raro: uma prova do seu olhar.
O seu olhar sobre o diferente me mostrou que o preconceito é questão de treino. Observamos o que a sociedade nos treina para ver, estereotipando diferenças, como se um carrasco invisível nos fizesse acreditar que isso ou aquilo foge da normalidade. 
A criança, se não for instruída para isso, não observará a cor da pele, gênero, status social ou deficiências do amigo, mas sim sua altura, seu jeito de falar, o corte de cabelo. Ela escolherá, livre de qualquer imposição, quais os critérios mais importantes para aquela relação. 

Diante do Leonardo, me senti pequena. Enquanto olharmos para o Leandro ao ouvirmos a palavra problema, ainda que inconscientemente, temos muito o que aprender. 

Para empinar pipa, problema mesmo é a altura do Caique.

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